terça-feira, 29 de setembro de 2020

Tesouros Cinéfilos - Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine)

De: Jonathan Dayton e Valerie Faris. Com Abigail Breslin, Toni Collette, Greg Kinnear, Steve Carell, Alan Arkin, Paul Dano e Bryan Cranston. Comédia dramática, EUA, 2006, 101 minutos.

Drama familiar com pitadas de humor cínico + elenco fantástico e perfeitamente entrosado + roteiro primoroso e cheio de diálogos espertos + história tão curiosa quanto divertida = eis a forma de Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine), um dos mais simpáticos filmes do agora (quase) longínquo 2006. De obra de baixo orçamento que vinha fazendo uma temporada bonita nas premiações alternativas - caso do Independent Spirit Awards - à chegada ao Oscar foi um passo. E não apenas isso, a película de Jonathan Dayton e Valerie Faris (do recente e mediano Guerra dos Sexos, de 2017) cairia tanto nas graças da crítica e do público, que faturaria a estatueta dourada (de forma merecida, por sinal), nas categorias Roteiro Original (Michael Arndt) e Ator Coadjuvante (Alan Arkin, que interpretou o avô viciado em heroína - e em pornografia -, híbrido de neonazista conservador com "herói" de guerra frustrado).

E a meu ver o sucesso da película pode ter a ver com o inusitado da coisa toda, uma mistura que nos fará rir em muitos momentos, refletir em outros tantos e, inevitavelmente, se emocionar. Especialmente com a inocência desajeitada e o amor transbordante da pequena Olive Hoover (e não por acaso, a Abigail Breslin, à época com apenas sete anos, receberia uma indicação ao Oscar na categoria Atriz Coadjuvante) que, de uma forma meio torta fará com que toda a família se alie por uma mesma "causa". Por causa, leia-se um convite meio aleatório para participar de um concurso de beleza para meninas pré-adolescentes em um outro Estado, distante mais de mil quilômetros de onde moram. Com pouca grana para viajar de avião, o jeito é enfiar toda a família dentro de uma kombi amarela velha e enferrujda, que transformará o filme em um road movie de autoconhecimento e de profundas reflexões sobre o significado de "família" - aquele grupo de pessoas que a gente não escolhe, tolera, ama, eventualmente odeia. E ama de novo e que provavelmente estará em nosso lado nos momentos mais difíceis e sempre.

Aliás, se os Hoover não fossem tão disfuncionais, talvez essa viagem não necessitasse a presença de todos os integrantes. Aliás, talvez eles nem FIZESSEM a tal viagem. Mas o caso é que o evento acaba sendo uma espécie de retiro para todos que estão ali, tão desconectados entre si que precisarão, na marra se reaproximar. Pai de Olive, Richard (Greg Kinnear) é um palestrante de autoajuda fracassado, que desenvolveu um método que envolve algo tipo "nove passos para o sucesso", mas que não consegue vendê-lo para ninguém. Já Dwayne (Paul Dano), o filho mais velho é um adolescente niilista que fez voto de silêncio. O tio, o professor universitário Frank Ginsberg (Steve Carell) acaba de sair de uma clínica psiquiátrica por ter tentado se matar. E, Toni Colette é Sheryl, a mãe de Olive que tenta não surtar no meio de todo mundo, enquanto se esforça para ver o desejo de miss da irmã caçula ser atendido.

No trajeto, o grupo passará por uma série de percalços, de problemas mecânicos até "problemas médicos", mas avançarão aos trancos e barrancos, até chegar no tal concurso. Obra bem humorada, primaveril, com ótima trilha sonora e grandes atuações, Pequena Miss Sunshine não deixa de fazer a crítica ao absurdo do culto a beleza - com meninas pequenas sendo levadas a esse universo desde muito novas -, reforçando ainda a importância de sermos apenas nós mesmos, em um mundo tão cheio de padrões, de convenções. E talvez por isso seja tão bonitinha a cena em que Olive pergunta a uma miss da vida real se ela come sorvete porque, oras, ela só quer ser feliz e comer um sorvete e não viver em um mundo de "ditadura da magreza" e de mídia vendendo corpos perfeitos e inalcançáveis o tempo todo. E, também pouco importa se ela perder o concurso hipócrita que se esforçou para entrar. No coração de todos - inclusive da família - ela venceu uma outra competição: a da autenticidade. O que combina direitinho com essa pequena obra-prima moderna.

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