sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Picanha em Série - I Know This Much Is True

De: Derek Cienfrance. Com Mark Rufallo, Melissa Leo, John Procaccino, Rosie O'Donell, Kathryn Hann, Juliette Lewis, Archie Panjabi e Rob Huebel. Drama, EUA 380 minutos, 2020.

"O amor cresce do perdão.
Da destruição vem a renovação.
A evidência de Deus existe nas nossas conexões uns com os outros."

Vamos combinar que a equação drama familiar + série da HBO dificilmente dá errado - e não é diferente com a absurdamente melancólica I Know This Much Is True. Dirigida poe Derek Cienfrance (dos dolorosos filmes Namorados Para Sempre e O Lugar Onde Tudo Termina), a minissérie é daquelas para deixar um gosto amargo na boca, tamanha a quantidade de tragédias por metro quadrado que se descortinam em tela. Aliás, por mais contraditório que isso possa parecer, ela combina direitinho com esse 2020 em que o sofrimento devastador parece não ter fim. A trama nos devolve para o começo dos anos 90, onde acompanharemos a vida dos irmãos gêmeos Dominick e Thomas Birdsey (ambos vividos por Mark Rufallo). Thomas parece sofrer de esquizofrenia e a série inicia com um episódio bastante traumático, onde o sujeito, numa espécie de surto que mistura extremismo religioso e teoria conspiratória, decepa o próprio braço, em meio a uma biblioteca lotada.

Este episódio será o ponto de partida para que compreendamos a natureza da relação conturbada dos dois irmãos e da relação deles com sua mãe (Melissa Leo) e com seu autoritário padrasto Ray (John Procaccino). Com uma doença terminal, a mãe morre deixando para Dominick um manuscrito escrito em italiano por seu avô e que poderá ser a chave para que segredos do passado possam ser esclarecidos. Enquanto pede a uma intérprete (vivida com a habitual excentricidade por Juliette Lewis), o sujeito tenta amparar Thomas, que, após o episódio do braço decepado acaba indo parar em uma prisão convencional - e não no instituto psiquiátrico que vinha sendo tratado. Por se sentir responsável pelo irmão, a situação gerará em Dominick uma profunda angústia - o que ele tentará, em partes, sanar com a ajuda de uma assistente social (Rosie O'Donell, muito bem em um papel sério) e com uma psiquiatra (Archie Panjabi).


Por que o que ocorre, afinal, é que, aos poucos, perceberemos que não apenas Thomas tem os seus problemas, os seus demônios: Dominick também os tem. E guarda uma mágoa e uma revolta que o faz explodir inclusive com as pessoas que ele ama, caso da ex-esposa Dessa (encarnada com a competência de sempre pela Kathryn Hahn). Aliás, parênteses: vocês estão vendo os nomes do elenco, né? E este acaba sendo um atrativo a parte, com nomes que emprestam envergadura ao projeto, que conta ainda com o multitarefas Rob Huebel (que aqui é o ex-cunhado, vendedor de carros e postulante a ator) e com a namorada de Dominick, Joy (Imogen Poots). Mas quem brilha mesmo é Rufallo, que constroi ambos os irmãos com suas características e personalidades próprias, nos fazendo crer que a dupla poderia de fato existir. Com temperamento intempestivo - especialmente pelo fato de o mundo não lhe sorrir -, Dominick é o oposto de Thomas, que em seu mundo particular surge inseguro e permanentemente amedrontado (apesar de ser bem mais obeso que o irmão). Aliás, as mudanças físicas de um para o outro são quase impactantes.

E se as interpretações renderiam horas e mais horas de elogios, o mesmo pode-se dizer da parte técnica. A fotografia granulada e empalidecida reforça o caráter sorumbático do projeto, bem como a melancolia permanente daquilo que assistimos. Já o desenho de produção contribui para que encaremos a recriação dos anos 90 com realismo, completado pela trilha sonora que nos permite aqui e ali ouvir músicas como Cherish da Madonna, ou Drive do The Cars - esta última que servirá de trilha sonora para um dos instantes mais comoventes da narrativa. Aliás, "instantes comoventes" é o que mais tem na série, que discute desde relações familiares, passando por traumas, consequências de nossas escolhas, luto e capacidade de persistir e de superar obstáculos, até chegar ao perdão. Aliás, "perdão" será quase uma palavra-chave nos momentos decisivos da série, especialmente uma impactante sequência envolvendo um velório. Servindo como microcosmo de algo maior que ocorre em nossa sociedade - tão individualista quanto hipócrita -, a série ainda pontua questões políticas, sociais, culturais e religiosas que podem TAMBÉM influenciar as nossas atitudes. Ou como seremos como pessoas, como sujeitos. É uma série pequena, com apenas seis episódios. Mas grande, enorme. Como as angústias daqueles que assistimos.

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