(Edward Tufte - Professor da Universidade de Yale)
De: Jeff Orlowski. Com Skyler Gisondo, Kara Hayward e Vincent Kartheiser. Documentário, EUA, 2020, 91 minutos.
Dirigido por Jeff Orlowski, o documentário O Dilema das Redes (The Social Dilemma) parte de algo que, muito provavelmente, todos nós sabemos: estamos sendo vigiados nas redes sociais. Mais do que isso, manipulados. O tempo todo. Sem nem percebermos. Ou talvez até percebendo. E por trás de todo esse esquema bem elaborado de algoritmos, que faz com que passemos cada vez mais horas na frente de smartphones ou outros dispositivos, talvez esteja a explicação para um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade. As pessoas estão frustradas, depressivas, inseguras com a sua imagem. Há uma ansiedade generalizada que os likes diários, em pequenas doses, podem ajudar a amenizar. Isso se os likes vierem. Isso se a vida daquele seu amigo não parecer melhor que a sua. Ou se a sua colega de escola não for mais bonita e mais rica que você. Nas redes sociais, ao cabo de tudo, nós é que somos o produto. Nós é que estamos a venda. E empresas de tecnologia - como Instagram, Facebook, Twitter -, sabem disso. E, pior: se aproveitam disso. Para lucrar. E muito.
Já aconteceu com você: você está lá procurando na Amazon um livro que quer comprar. Um, dois cliques. O terceiro. Você abandona a página. Mas a enxurrada de propagandas com promoções de livros, do mesmo autor que você investigava: essa não parará tão cedo. Por dias, meses, semanas. Você entrará aleatoriamente no Facebook e se deparará com algo com 25% de desconto. Comprará e essa roda girará. Esse é um exemplo banal de como as plataformas parecem estar programadas para responder aos estímulos que são gerados por nós mesmos. Você abre o Youtube e assiste um vídeo sobre cinema. Na sequência você receberá recomendação de outros tantos vídeos do mesmo canal, com outros temas. E de outros canais sobre filmes. Você entrará em uma bolha, um loop infinito de consumo de "produtos" adequados ao seu gosto, a seu perfil. Acontece com todos nós, o tempo todo. Parece algo bobo, prosaico, cotidiano. Mas pode ser a resposta, inclusive, pro atual contexto de beligerância política que vivemos.
E o que documentário mostra de forma muito bem editada, muito bem organizada, ouvindo pesquisadores, professores, executivos e desenvolvedores que trabalharam durante anos nessas mesmas empresas é que a tecnologia pode ter contribuído, nos últimos anos, não apenas com o aumento de casos de tentativas de suicídio entre jovens - que se sentem incapazes de alcançar os inatingíveis padrões de beleza dos filtros do Instagram -, mas também pela polarização que estaria gestando governos extremistas, especialmente os de direita, pelo mundo. Fake news, paranoia governamental, vigilância, vida zumbificada, insegurança generalizada, manipulação, bom, você já viu gente defendendo que a Terra é plana, que a covid-19 foi criada pelo comunismo chinês e que o Fernando Haddad ia distribuir mamadeiras de piroca na escola. Junte a isso um grupo de pessoas fragilizado, com problemas de autoestima e ansioso para receber aprovação de seus pares e está feito o estrago: daí para atentados, agressões, incapacidade de diálogo e guerras é um pulo. Aliás, num cenário mais alarmista, alguns pesquisadores acreditam que o mundo está a um passo de uma Guerra Civil. Algo que já está sendo visto em alguns países.
Sim, o documentário tem pouco espaço para o otimismo ou para apresentar as iniciativas saudáveis de uso das redes sociais - e os bons aplicativos, as comunidades agregadoras, os grupos que se organizam para ações coletivas existem aos montes. As redes nos aproximaram, afinal. Pessoas que passaram anos sem se ver, se encontraram. Parentes que estão distantes estão a um clique de abrir uma chamada de vídeo. Mutirões são promovidos para auxílios. Mas como que a gente faz pra não ficar viciado nisso? Pra não passar tanto tempo rolando a barra de scroll? Enquanto o documentário se desenrola, o filme apresenta, paralelamente, a história ficcional de uma família com três adolescentes - um deles vai ficando cada vez mais isolado em sua bolha nas redes sociais e se aproxima e um curioso grupo extremista de centro (sim, a gente já sabe que é de direita). Ao final a violência eclode, o tumulto. O mesmo tumulto que ficará feio em vídeos nas redes sociais. Que não haverá filtro do Instagram que solucione. Sim, o tom pode ser alarmista: mas o recado é pra ser exatamente esse. A ciência mostra que estamos utilizando tudo isso e uma forma inadequada. Como corrigir esse trajeto que pode nos fazer evitar entrar em colapso? É a pergunta sem resposta que fica.
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