Nas aparências, Gênio Indomável (Good Will Hunting) sempre foi o filme sobre o adolescente rebelde com um talento único, que é incapaz de lidar com o mundo como este se apresenta. Sim, é TAMBÉM sobre isso. Mas é uma obra de muitas camadas - e talvez este seja um dos aspectos que mais me agrade na película de Gus Van Sant (Milk: A Voz da Igualdade). No caso o fato de sempre perceber algum outro detalhe, uma ou outra nuance capaz de tornar a obra um pouquinho maior do que ela é. E a meu ver o aspecto que mais me salta aos olhos, nesse sentido, é o fato de a narrativa propor uma grande reflexão sobre escolhas. Escolhas mesmo.Aquelas que faremos na vida, certas ou erradas, que nos farão quebrar a cabeça, nos decepcionar, gerar ansiedade. Na juventude - especialmente -, decidir, muitas vezes movidos pelo entorno, pelo meio em que nos encontramos, pelas circunstâncias, não é tarefa fácil. Conosco está uma bagagem ainda pequena, que deixará para a trás a inocência da infância fazendo um aceno para a vida adulta.
E, de alguma forma, Gênio Indomável é também uma obra de "formação". De amadurecimento. De nos fazer refletir sobre o que devemos fazer. De como (e se) devemos utilizar as nossas habilidades a nosso favor. Ser feliz? Todos queremos. Mas qual o percurso para isso? Will Hunting (Matt Damon) tem um dom que o faz ser uma espécie de "gênio involuntário": ele é capaz de resolver equações matemáticas complexas, com meia dúzia de rabiscos, num piscar de olhos. É um tipo de talento nato que quase foge de uma explicação racional. Vale a mesma lógica para Mozart na frente de um piano: enquanto para nós o instrumento não passa de uma grande caixa de maneira com teclas - numa divagação semiótica -, para o precoce compositor era a forma de fazer a sua mágica acontecer. Não era questão de treino, de estudo, de persistência. Era natural. Sabe aquele garotinho que, com sete ou oito anos de idade, deita e rola no futebolzinho do bairro? E que será o novo Messi? É isso.
Só que na volta de Will, todos acham que ele pode fazer algo MELHOR com a sua habilidade do que aquilo que ele efetivamente faz. O jovem teve uma infância difícil, o que fez com que ele crescesse embrutecido, raivoso. Dá um dedo para, com seus comparsas, arrumar confusão na rua, brigar por bobagem. E é numa dessas brigas aleatórias que vai parar em um reformatório que lhe impõe uma condição: ou faz algum tipo de tratamento psiquiátrico que possa fazer com que expulse os demônios que estão dentro do armário, ou é xadrez. As turras brigará também com os psicólogos indicados pelo professor Gerald (Stellan Skarsgard) - que naquela altura já está sabendo de seu talento matemético. A única solução? Um antigo ex-colega que também atua na área da psiquiatria, um certo Sean Maguire (Robin Williams). Com uma metodologia bastante excêntrica, Sean compreenderá o que se passa na mente de Will - especialmente no que diz respeito às pressões que sofre para que resolva as coisas que dizem respeito à potência de suas aptidões. Arrumar um trabalho? Ganhar bastante dinheiro? Ser "feliz", mas numa vida não desejada?
Nesse sentido, Will me faz lembrar bastante a personagem Charlie, da espetacular distopia Flores Para Algernon, do escritor Daniel Keyes. Quando participa de um experimento científico que não apenas lhe cura de uma severa deficiência intelectual, como lhe torna absurdamente inteligente, Charlie se torna incapaz de suportar a dureza do mundo. Algo que num universo de alienação e ignorância não existia: ao contrário, sentia-se feliz em seu mundinho de poucos amigos e de amor familiar bastante torto. Will tem algo excepcional ao seu alcance: mas aceitar seu destino e adentrar naquele universo - que talvez seja o universo que as demais pessoas esperam dele -, o tornará realizado? Ou uma vida simples, justa e de amor pode ser suficiente? A carta deixada para Sean, no último instante dá uma pista. E, como a cereja do bolo, a "amizade" entre Sean e Gerald deixa uma pista ainda maior: a de que seremos tristes e felizes, inevitavelmente e independentemente de nossas escolhas. A vida, afinal, não é uma ciência exata. Não é uma equação como aquelas tão facilmente resolvidas por Will. E, vamos combinar, é nisso que está a beleza de tudo. No imprevisível, no imponderável, no aleatório.
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