terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Picanha.doc - One Child Nation

De: Jialing Zhang e Nanfu Wang. Documentário, EUA, 2019, 85 minutos.

Foi no ano de 1981 que o Governo da China lançou uma das políticas mais inacreditavelmente funestas que se tem conhecimento: aquela que limitava cada casal do País a ter, no máximo, um filho. Pois o que One Child Nation, documentário dos diretores Jialing Zhang e Nanfu Wang, pretende, é demonstrar como esta medida arbitrária, que limitava as escolhas individuais, devastou milhares de famílias chinesas, que não cumpriram o que estava acordado pelo Estado. Nas entrelinhas as intenções do Governo pareciam justas: com a população crescendo exponencialmente, havia o medo - um temor que segue até os dias de hoje -, de que faltaria comida e acesso a serviços básicos de saúde e de educação para todos, especialmente os mais jovens. Casais que, mesmo assim, tivessem mais de um filho, eram punidos com severas multas, o que fez com que muitos recém-nascidos fossem simplesmente descartados. Sim, descartados: no lixo, em terrenos baldios, em locais abandonados.

E este é só um dos tantos efeitos colaterais que uma política opressiva, que constrangia os chineses, determinou. Mas houve outros piores, como o aumento do número de abortos ilegais, o envelhecimento da população e o estabelecimento do tráfico internacional de crianças no País. Retornando após ser mãe, ao pequeno povoado em que nasceu, Wang recordará a ostensiva - e brega - propaganda governamental em favor da política (ela estava em toda a parte, na música estatal, em outdoors, em peças de teatro) e conversará com pessoas que tiveram a sua vida diretamente afetada por este regramento. Entre as mais marcantes, está uma senhora que teria realizado mais de 400 mil abortos, nos mais de 30 anos em que a política esteve em vigor. Outro entrevistado será um artista plástico que utilizava o lixo como matéria-prima para seus trabalhos, até o dia em que foi surpreendido ao perceber que havia fetos "escondidos" nas fotos que havia tirado.


Nesse sentido, o filme, que é incrivelmente bem editado, pode ser eventualmente duro ou até difícil de assistir para algumas pessoas. Especialmente por nos apresentar a terrível condição de que as famílias preferiam matar os seus filhos (pior ainda era se fosse filha), do que se ver censurado ou punido. Não havia escolha, afinal. Sendo o mais incrível de tudo a percepção por parte dos entrevistados de que aquela, de fato, era uma medida necessária para o bem-estar da nação - e por mais que o rígido controle tenha conseguido regrar os nascimentos, percebe-se que os problemas, ao final, foram maiores do que as soluções. Seria mais ou menos como se as camadas mais pobres aqui do Brasil fossem entrevistadas e dissessem que compreendiam medidas como as reformas Trabalhista e da Previdência como um "mal necessário", que lhes garantiria a subsistência ou o futuro. Um olhar cego, de quem se deixa levar por uma propaganda que martela ostensivamente uma ideia, fazendo com que os principais atingidos não percebam o mal que estão causando a si próprios.

No terço final, a película apresenta o seu dado mais alarmante: o de que houve em todos esses anos mais 130 mil adoções de chineses por famílias americanas - e por mais que, nas entrelinhas, isso possa parecer algo bom, foi resultado de um mercado paralelo que anulava completamente a origem biológica de cada bebê (deletando-os de qualquer base de dados), com orfanatos comprando de traficantes os filhos abandonados, a preço de banana. Entre as histórias, a comovente tentativa de um casal americano em descobrir quem são os verdadeiros pais de sua filha adotada, se transforma em uma verdadeira via crúcis de árvores genealógicas confusas, que se valem de informações precárias e de dados mal obtidos. Provável indicado ao Oscar de 2020 na categoria Documentário, a película, premiada em Sundance, nos mostra que política pública não pode ser tratada como mero experimento social e que, sim, em muitos casos o Estado deve intervir o mínimo possível no livre-arbítrio do cidadão.

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