segunda-feira, 4 de junho de 2018

Grandes Filmes Nacionais - São Paulo Sociedade Anônima

De: Luís Sérgio Person. Com Walmor Chagas, Eva Wilma, Darlene Glória, Ana Esmeralda e Otelo Zeloni. Drama, Brasil, 1965, 106 minutos.

Existe uma cena emblemática do filme São Paulo Sociedade Anônima e que dá conta da completa alienação política/social/cultural com que convivia parte da população brasileira nos anos que antecederam o Golpe Militar no País - a obra do diretor Luís Sérgio Person se passa entre os anos de 1957 e 1961. Nela, o protagonista Carlos (Walmor Chagas) está em um carro com alguns amigos e familiares, que o convidam para cantar alguma música de que goste. A única que ele consegue se lembrar, na ocasião, é o Hino à Bandeira. "Salve o lindo pendão da esperança...", inicia o sujeito, para surpresa de todos. Bom, qualquer semelhança com essa massa burra, ignorante e estúpida que pede o retorno dos militares nos dias de hoje - a tal da intervenção - numa espécie de ufanismo que beira o delírio, não é mera coincidência. E isso que estamos falando de uma obra com mais de cinquenta anos.

Carlos é o tipo de sujeito niilista e hedonista para o qual só existe uma linguagem: a do capital. Experimentando o período de aceleração econômica vivido pelo País - os "50 anos em cinco" do Governo Juscelino Kubitschek - o homem leva uma vida simplória, ainda que confortável do ponto de visto financeiro (ele é gerente em uma indústria da área automobilística). Vagando pela cidade, parece experimentar uma certa descrença generalizada em tudo, enquanto divaga consigo mesmo sobre os seus relacionamentos fracassados e a rotina estável de sujeito de classe média (ainda que cheia de insatisfações). A propósito disso, costuma despejar as suas frustrações, sendo violento, agressivo, machista, justamente nas mulheres que lhe dispensam alguma atenção - entre elas a esposa Luciana (Eva Wilma) e a amante Ana (Darlene Glória). Aliás, não é por acaso que talvez Carlos seja um dos protagonistas mais desprezíveis da história do cinema nacional.



Person filma a cidade, bem como seus contrastes e contradições, como se ela própria fosse uma personagem viva, orgânica. Se por um lado os yuppies brasileiros são mostrados como sujeitos apressados que andam pelas ruas com suas pastas, ternos bem cortados e gravatas, por outro não são poucas as cenas com operários trabalhando pelo crescimento da metrópole. Mas todos eles amparados pela grande cidade, com seus arranha-céus, trânsito urgente, balbúrdia. Os próprios ângulos de câmera escolhidos pelo diretor em muitos momentos geram um efeito meio hitchcockiano, claustrofóbico, como se as andanças de Carlos pela urbe fossem uma metáfora perfeita para definir um sujeito enclausurado e incapaz de escapar de uma rotina repetitiva, cartesiana e de pouca novidade. Aliás, claramente o protagonista talvez não quisesse esse estilo de vida - uma espécie de modelo importado do american way of life. Mas está grudado nele. De forma inescapável.

Servindo ainda como o preâmbulo perfeito para o sentimento de euforia vivido pela população brasileira nos anos que antecederam o Golpe Militar - são muitas as sequências em que a Classe Média é apresentada como um grupo de pessoas capaz de encontrar prazer nas coisas mais "simples" da vida (mas aquelas que o dinheiro compra, como uma viagem ou um passeio de lancha), São Paulo Sociedade Anônima segue sendo muito atual. Como se fosse um verdadeiro documento sobre a importância da consciência política e da educação para o fortalecimento das ideias que regem uma população, a obra foi escolhida, pela sua relevância, como a sétima colocada em uma lista com os 100 Melhores Filmes Nacionais publicada em 2016 pela Associação Brasileira dos Críticos de Cinema (Abraccine). Person realizaria em sua curta carreira alguns outros filmes. Mas poucos com a importância de São Paulo Sociedade Anônima.

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