quinta-feira, 28 de junho de 2018

Artigo - Entrando Numa Roubada com as Notas da Netflix

Não sei vocês mas, muitas vezes, quando estou zapeando despretensiosamente pela Netflix na intenção de escolher um filme qualquer para assistir, acabo me guiando pelas notas dos usuários do serviço. Maior quantidade de estrelas? Conclusão óbvia = filme bom de se ver. Afinal de contas, a voz do povo é a voz de Deus, certo? Talvez. Ou no caso da plataforma mais famosa de oferta de filmes, nem sempre. O caso é que as reações das pessoas que utilizam a Netflix na hora de avaliar as películas são meio curiosas - e, evidentemente, tem muito a ver com as suas visões de mundo, bagagem cultural, valores, etc, do que qualquer outra coisa. Às vezes tem até a ver com o dia. O humor. O cansaço. Ou não. Natural, afinal de contas, o que é duas estrelas pra mim pode ser cinco pra você. Ou o contrário. Vai saber. Mesmo diretores odiados pela crítica - caso do americano Michael Bay - são capazes de honrosas três estrelas e meia em pérolas como o "clássico moderno" Transformers - O Lado Oculto da Lua. As pessoas gostam e é isso que vale.

Só que o caso é que por causa disso, levar em conta as notas dadas aos filmes pelos usuários da Netflix é, muitas vezes, entrar em roubadas homéricas. Ontem resolvi assistir a um filme chamado O Plano Imperfeito (Set It Up). Lançado na semana passada, aparecia no serviço com valiosas cinco estrelas. A despeito da capinha de comédia romântica açucarada - e comédia romântica açucarada, todos sabemos, pode ser uma boa oportunidade para um filme agradável, leve e divertido, desde que as personagens nos importem - a sinopse sobre dois assistentes de escritório, um rapaz e uma moça, exauridos pelas rotinas estafantes de trabalho, tentando fazer com que os seus chefes de apaixonem (entre si), com o objetivo de tornar as suas vidas mais leves, menos pesadas, menos angustiantes, parecia ser um belo atrativo. Na minha cabeça pensei que o filme seria uma baita oportunidade para uma ferrenha crítica social a esses jovens yuppies modernos, preocupados apenas com as suas carreiras e que frequentam cursos estilo Master Mind como se ser um workaholic os transformasse em uma entidade superior no mundo dos negócios. Ledo engano. Aliás, ledíssimo engano.



A obra é um amontoado de clichês ambulantes, com personagens machistas, preconceituosos, unidimensionais e pouco complexos - fora o roteiro estapafúrdio e (talvez) os piores, mais constrangedores e mais inverossímeis diálogos do ano - com direito até a pasmem, conversas sobre a chefe de um deles (no caso a talentosa Lucy Liu) ser mal humorada porque não transa. Fora o fato de que, para Hollywood, parece ser incrivelmente impossível conciliar carreira e relacionamento - já que é um ou outro. E não estamos falando de um filme dos anos 80 e sim de uma obra da revigorante (cof, cof) Netflix e sua postura progressista e aberta. Só que não. A dupla de protagonistas de O Plano Imperfeito - vividos por Zoey Deutch e Glen Powell - tem o carisma de um muro recém construído e que ainda está com o concreto secando. E você fica ali do lado esperando isso acontecer. Terrível.

Mas então por que cinco estrelas vindas dos usuários da Netflix? Não sei, talvez as pessoas gostem desses filmes sobre pessoas e suas carreiras em escritórios luxuosos, tecnológicos e cheios de gente bonita e bem vestida. Talvez acreditem que aquilo seja de fato um sonho a ser almejado pela maioria e que trabalhar até às 22h30 somente porque se é "obrigado a sair depois do chefe" (como comenta um deles em outro diálogo) seja motivo de orgulho. Talvez as pessoas simpatizaram com as personagens. Sério, quem viu comédias românticas refrescantes como 500 Dias Com Ela consegue simpatizar com aquela dupla? Se vocês viram, me digam. Sobre as estrelas na Netflix já fui surpreendido positivamente MUITAS vezes - um dos casos mais recentes o Toc Toc e as suas quatro estrelas e meia. Ainda assim, fica o alerta. Nem sempre a avaliação dos usuários é garantia de bom filme - e eu tenho aprendido isso a duras penas. Afinal de contas cada pessoa é uma pessoa (ah vá?) - e se não há unanimidade em muitos lugares, não será no cinema que ela ocorrerá. De minha parte, terminada a sessão de O Plano Imperfeito joguei a minha solene UMA ESTRELA sobre ele, na esperança de contribuir para a excelência de qualidade do sistema. Indo dormir em paz depois disso.

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