sexta-feira, 15 de junho de 2018

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Trem da Vida (Romênia)

De: Radu Mihaileanu. Com Lionel Abelanski, Agathe de La Fontaine, Michel Muller e Clément Harari. Comédia / Drama, Romênia / Bélgica / França / Israel / Holanda, 1998, 103 minutos.

Talvez o fato de Trem da Vida (Train de Vie) ter sido lançado apenas um ano depois de A Vida É Bela (1997) tenha ofuscado um pouco o brilho dessa pequena joia do cinema romeno - afinal de contas, dois filmes "seguidos" que apostassem no bom humor ou no clima farsesco na abordagem da Segunda Guerra Mundial, talvez pudesse ser considerado um certo exagero. Mas o fato é que um dos grandes trunfos da obra do diretor Radu Mihaileanu está justamente em sua imprevisibilidade. No espírito anárquico, quase juvenil. No humor excêntrico, nunca óbvio e quase surrealista. O tipo de reinterpretação iconoclasta de um evento tão marcante, que talvez só tivesse sido alcançada anteriormente pela trupe do Monty Phyton. Há rumores de que Roberto Benigni havia sido convidado para dirigir o filme e que este o teria inspirado para a sua grande obra-prima. Vai saber.

A trama nos transporta para a Europa Oriental, no ano de 1941. É lá que a população judaica de uma pequena aldeia fica assombrada com a notícia de que os nazistas estão a caminho e que o povoado será o próximo a ser atacado por eles. A ideia para um engenhoso plano de fuga, surge da mente de Shlomo (Lionel Abelanski), considerado o louco do vilarejo. Ele propõe ao Conselho de Sábios que a comunidade simule uma falsa deportação, com parte dos judeus do local interpretando os "papeis" de nazistas. Dentro de um trem - o tal "trem da vida" do título - os falsos alemães conduziriam os demais integrantes da vila para a Palestina, como se estes fossem "prisioneiros". A ideia, por mais estapafúrdia que seja é levada adiante e mobilizará toda a população local, que deverá não apenas aprender a língua de Goethe, mas também costurar roupas idênticas àquelas usadas pelos nazistas, além de reformar um velho trem para que este fique exatamente como aqueles utilizados pelos integrantes do Reich.



Sim, é um filme nonsense e é pra ser nonsense - daqueles em que, reconhecidamente, temos de entrar no clima da história para que possamos curti-la. O que não é difícil, já que o filme possui um elenco tão entrosado que as piadas fluem quase como se fossem pequenas esquetes que poderiam integrar os melhores programas de humor da atualidade. Por exemplo, como não rir do sujeito que acredita que a Segunda Guerra possa ter começado pelo fato de as pessoas debocharem do sotaque (e do jeito) de os alemães falarem? E a impagável cena em que chega a comunidade o maquinista "contratado" junto ao setor de transportes, que acaba carregado nos braços, após apresentar um livro chamado "Como Dirigir Uma Locomotiva"? E o que dizer da sequência em que o enxadrista da comunidade é consultado para que ele seja capaz de determinar os próximos movimentos dos alemães?

Esses são alguns exemplos de piadas - são outras tantas - que poderiam parecer bobas em um roteiro mal conduzido, mas que acabam sendo absolutamente surpreendentes e divertidas dentro do contexto do filme. Ainda assim, na película não prevalece apenas o humor juvenil, havendo ainda, em seu subtexto, uma severa crítica social as dificuldades que temos de aceitar pessoas com ideias diferentes das nossas. Em certa cena, Esther (Agathe de La Fontaine) reclama do fato de o seu futuro pretendente ser nazista - um falso nazista - e comunista ao mesmo tempo (duas coisas terríveis, de acordo com a personagem e, evidentemente, discrepantes). Aliás, a existência de uma dissidência comunista entre os judeus, provoca um curioso fenômeno, que faz com que os falsos nazistas passem a se comportar de maneira mais autoritária, quase como se fossem, de fato, os alemães de verdade. (situação que faz com que, inevitavelmente, nos lembremos de obras como A Revolução dos Bichos, de George Orwell).


[SPOILER] Próximo de completar 20 anos de seu lançamento, O Trem da Vida segue sendo não apenas um divertido "filme de guerra", que tira sarro de todos os sistemas e modelos totalitários juntos, mas também um ousado manifesto sobre o poder da imaginação - e não é por acaso que, até hoje, a cena final da obra se constitui em uma das mais desalentadoras e melancólicas da história do cinema. O tipo de sequência muito semelhante aquela que assistimos na conclusão do já citado A Vida É Bela - quando a morte do protagonista nos dá o choque de realidade necessário para que percebamos que, na guerra, não há espaço para a fantasia. E que os nazistas fictícios e estúpidos, que aparecem como imagens difusas na cabeça de Shlomo, nada mais são do que fruto de sua mente. Simplesmente inesquecível.

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