quarta-feira, 11 de maio de 2016

Picanha.doc - Dossiê Jango

De: Paulo Henrique Fontenelle

Filmes no estilo "Teoria da Conspiração" carecem de um bom volume de registros históricos - sejam eles entrevistas, fotos, matérias jornalísticas ou outros documentos - para que possam ser validados. Especialmente os documentários - que se pretendem atestados fiéis a acontecimentos que eventualmente possam ter verdadeiramente ocorrido. No caso de Dossiê Jango - documentário fundamental de Paulo Henrique Fontenelle -, essa premissa é cumprida com louvor já que, ao final da sessão parece haver apenas uma certeza: a de que o ex-presidente João Goulart não apenas foi deposto em 1964 por meio de um Golpe Militar perpetrado, inclusive, com o apoio dos Estados Unidos. Ele também foi covardemente assassinado por envenenamento em 1976, durante o longo período em que se exilou na Argentina. Diferentemente do que diz a história oficial, que atribui a um ataque cardíaco o seu óbito.

Assim como no caso de Getúlio Vargas e, mais recentemente, Lula e Dilma, Jango era um presidente preocupado em promover políticas - agrárias, educacionais, fiscais - que possibilitassem a inclusão social do maior número possível de brasileiros. Ele olhava para as camadas mais pobres. Preocupava-se em criar o Estatuto do Trabalhador Rural, adotava experiências de ensino tendo por base autores como Paulo Freire. Mas não esquecia do crescimento econômico - tão caro aos golpistas de plantão - fazendo o Brasil crescer mais de 11% ao ano, desde que assumira a presidência em 1961. Até a Copa foi ganha em 1962! Mas Jango, como um democrata que era, era afeito a pluralidade política - era ideia sua estender o voto aos analfabetos e ampliar o número de partidos políticos no Brasil, por exemplo. Ah, e eventualmente ele visitava a China, para estreitar as relações políticas e comerciais. Já fez a conta, né? China, políticas voltadas aos mais humildes... tava feito o banquete para que o golpe se instaurasse.




O filme mostra, a partir de uma impressionante riqueza documental - especialmente de imagens, vídeos, entrevistas e gravações de arquivo - como foi realizado este movimento em toda a América do Sul, que, não chega a surpreender, contou com o apoio e participação até mesmo dos ex-presidentes norte americanos Lyndon Johnson e John Kennedy. Só que o mais estarrecedor é constatar o fato de que a deposição em 1964 não tenha sido o suficiente. Era preciso derramar sangue. Acabar com os "terroristas". Jango - assim como Carlos Lacerda e o próprio ex-presidente Juscelino Kubitschek - representava uma presente e constante possibilidade de contragolpe. De reação. De unificação de uma oposição forte. Era diplomático com a Rússia e com a China. E isso em uma época de Guerra Fria. Além de ser MUITO popular, com intenções de voto que chegavam a ultrapassar os 80%. Era preciso avançar para além da deposição política. E não chega a surpreender, nesse sentido, o fato de Juscelino, Lacerda e Jango terem morrido com apenas nove meses de diferença entre eles. Os três com mortes duvidosas.

A obra traz ainda a tona as estratégias dos governos militares adotadas no período para aniquilar as organizações de esquerda, caso, por exemplo da Operação Condor - que tinha a intenção de matar líderes revolucionários sul-americanos - e outras, como o suspeitíssimo Projeto Andréia - para a elaboração de venenos que possibilitariam levar o maquiavélico plano ao cabo. Relatos de sequestros, acidentes inexplicáveis, mortes escabrosas, exílios, torturas diversas, perseguições e assassinatos, são resgatados a partir de notícias da época, relatórios e entrevistas com jornalistas, escritores, pessoas ligadas a justiça e aos direitos humanos, políticos, historiadores, intelectuais e familiares, em um relato impactante, capaz de fazer corar até mesmo os adeptos do Bolsomito. Sendo os momentos mais surpreendentes e, certamente, controversos de todos, as entrevistas com o ex-fuzileiro naval Mário Barreiro Neira, que teria sido o responsável DIRETO pela morte de Jango.



Em um dia em que assistimos, não sem certa melancolia, a democracia e o Estado de Direito serem ignorados em nosso País, um filme como Dossiê Jango não chega a surpreender, ao mostrar que o golpe, militar ou político, está sempre pronto a reaparecer sob as mais diversas desculpas. "Dilma está implantando uma república bolivariana", "nossa bandeira jamais será vermelha", "abaixo o Foro de São Paulo", "a favor da família de bem brasileira", "a crise que toma conta da economia", "nunca um País foi tão corrupto". Esses são alguns dos mantras de uma certa parcela de uma direita raivosa, que, não por acaso, pede o retorno dos militares ao poder. E tudo com o apoio, assim como naquela época, de alguns setores da mídia. Ignoram-se avanços sociais. Ou o atendimento das demandas das minorias. Ou mesmo a ampliação de acesso a educação, a saúde, a habitação, enfim... a comida, com a saída de milhões de brasileiros da condição de pobreza extrema. É preciso depor essa tenebrosa "ameaça vermelha" que nos assola. Hoje, no Senado, a nossa Presidente é, assim como Jango, assassinada. O retrocesso que isso representa? Bom, é só ler um livro de história. Ou assistir a um documentário como Dossiê Jango. Filme de terror é pouco.

2 comentários:

  1. A História repete-se sempre, pelo menos duas vezes, disse Hegel. Karl Marx acrescentou ...a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa...
    Excelente comentário, caro amigo, sobre o filme e sobre a similaridade com os fatos da atualidade.

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    1. Obrigado pelo comentário, caríssimo Bonine! Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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