A França que o diretor Stéphane Brizé - do belo Mademoiselle Chambon (2010) - costuma mostrar em seus filmes em nada lembra o glamour romanceado de sua capital, bem como o de pontos turísticos como a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo ou mesmo a badalada Champs-Elysées. Pouco ou nada se vê sobre o seu passado artístico suntuoso, sobre a Belle Époque ou sobre pintores impressionistas do final do século 19. Não, a "cidade luz" de Brizé é a do trabalhador que paga impostos, que luta para se manter, que enfrenta um sistema em que os ricos e pobres permanecem a algumas léguas de distância uns dos outros. E que em 2015 alcançou um índice de desemprego próximo dos 11% da população trabalhadora ativa. Estou falando da França, só pra lembrar. E lá não houve impeachment ao que me consta.
É nesse contexto que está estabelecida a trama do amargo e melancólico O Valor de Um Homem (La Loi du Marché), que estreou nesta semana nos cinemas. Homem de cinquenta e poucos anos, Thierry (o sempre competente Vincent Lindon) está desempregado. Mas isso não significa leniência. Ao contrário, interessado em retornar ao mercado de trabalho, o homem, casado e pai de um filho deficiente, participa de cursos técnicos e outros tipos de extensão - além de exasperantes capacitações -, sem conseguir ser efetivado para os cargos a que concorre - seja por não cumprir os pré-requisitos ou mesmo por não possuir o perfil desejado para esta ou aquela atividade. No Brasil parece haver tantas pessoas frustradas por não conseguirem aquela vaga tão sonhada? Bom, esta não é exclusividade da nossa querida Pátria.
A obra, silenciosa, reflexiva, sutil, é pavimentada por uma série de sequências naturalistas capazes de tornar o clima, em sua introspecção, praticamente sufocante durante a busca de Thierry. Se na primeira cena já somos apresentados a ele como um sujeito que procura argumentar, em vão, ainda que de forma digna e eloquente, a respeito das injustiças cometidas por uma escola que vende cursos técnicos que não levarão praticamente ninguém ao mercado, no instante seguinte encontramos o sujeito em sua rotina simplória de cursos de dança com a esposa e de "afeto distante" com o filho. As humilhações provocadas por entrevistas mal-sucedidas e a franqueza de colegas em relação a sua postura autocomiserativa em atividades "preparatórias", torna tudo ainda mais dilacerante. (e é praticamente impossível não se identificar com a situação, já que a grande maioria das pessoas já deve ter vivido alguma situação semelhante)
Sem jamais exagerar no tom, o filme ainda apresenta os seus personagens como sujeitos complexos, capazes de apresentar nuances de caráter que contribuem para tornar o filme muito mais do que um líbelo do "bem contra o mal" ou mesmo do homem comum diante do "capitalismo selvagem". E se numa cena percebemos um entrevistador levemente constrangido por ocupar aquela posição, em outra sequência vemos Thierry e sua esposa com uma transformadora firmeza de propósito, ao não se desfazerem de seu único bem - que ainda possui valor sentimental - apenas por estarem precisando urgentemente de dinheiro. Algo reforçado pelas interpretações absolutamente convincentes de todos aqueles que vemos na película - com destaque para Lindon, que foi eleito Melhor Ator em Cannes pelo papel. Não bastassem todos esses valores, essa pequena obra-prima moderna ainda guardará para o seu terço final a sua mais grata surpresa. Ao conseguir um emprego - não para aquilo ao qual o homem sonhava exatamente - Thierry perceberá, da pior maneira possível, que a falsa sensação de "poder" gerada pelo cargo - e que ele claramente não gosta -, de nada valerá diante de quem é realmente poderoso nessa engrenagem.
Nota: 9,0
olha, sem assistir o filme, só pela postagem, já concordo com a nota.
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