quinta-feira, 19 de maio de 2016

Picanha em Série - Mr. Robot

Existe uma cena de Mr. Robot rolando nas redes sociais, talvez vocês já a tenham visto. Nela, o protagonista Elliot Alderson (Rami Malek) responde o que na sociedade lhe decepciona tanto, pergunta feita pela sua psiquiatra, a elegante doutora Krista Gordon (Gloria Reuben). Será porque todos acham que Steve Jobs era um grande homem, mesmo sabendo que ganhou bilhões explorando crianças? Ou talvez porque nossos herois são uma farsa. O mundo inteiro é um grande boato. Assediando uns aos outros com comentários imbecis disfarçados de opiniões nas mesmas mídias sociais que fingem promover intimidade. Ou será porque votamos nisso? Não através de eleições fraudadas, mas com as nossas coisas, propriedades, nosso dinheiro. Isso não é novidade. Sabemos porque fazemos isso. Não porque Jogos Vorezes nos deixam felizes, mas porque queremos ficar sedados. Porque é doloroso não fingir. Porque somos covardes. Essa é a resposta.

De alguma maneira, pode-se dizer que esse arroubo de sinceridade do protagonista resume bem o espírito dessa impressionante e elogiada série, que teve a sua primeira temporada exibida em novembro do ano passado no canal por assinatura Space. E que já tem agendado para julho o seu segundo ano. Na trama, Elliot é um jovem programador que alterna uma rotina como técnico em uma empresa que trabalha com segurança virtual durante o dia e como hacker justiceiro durante a noite. Será justamente a aparição do tal Mr. Robot do título (Christian Slater) que bagunçará um tanto a sua vida. Mr. Robot é o líder de um misterioso grupo de hackers que recruta Elliot com o objetivo de atacar o maior conglomerado econômico do mundo, a multinacional E Corp. O detalhe: a E Corp está entre as clientes da Allsafe, empresa em que o jovem trabalha. Vale a pena se arriscar a tanto?



A série, uma das mais originais surgidas nos últimos anos discute, nas entrelinhas, diversas questões relevantes da atualidade, estando entre elas as diferenças sociais, a dependência que temos dos sistemas informatizados, a insegurança da disponibilidade de dados na rede, a importância dada ao dinheiro, a farsa das propagandas, a necessidade do uso de pílulas e medicamentos que nos possibilitem emoções sintéticas em uma vivência tomada pelo torpor, o aumento desenfreado do uso de produtos químicos nos alimentos, a lavagem cerebral da mídia, entre outros. E isso, é preciso que se diga, não é pouco. Afinal de contas, a E Corp fictícia que se vê em Mr. Robot bem poderia ser o Microsoft, a Monsanto, a Exxon, a General Electric, a HSBC. E se essas empresas fossem deletadas do mapa de um dia para o outro? Quem sofreria? Seria possível um novo mundo sem elas?

Não bastassem o roteiro e a direção espertos de Sam Esmail, a história ainda conta com uma série de arcos dramáticos interessantes e que geram interesse permanente de quem assiste à série. Seja nos momentos em que Elliot está hackeando algum colega de trabalho, interesse romântico ou mesmo caçando algum criminoso, seja nas investidas feitas pelo grupo coordenado por Mr. Robot - que leva o nome sugestivo de Fuck Society -, ou nas cenas nos corredores luxuosos da E Corp, com seus executivos ambiciosos em busca de cargos que lhes deem ainda mais dinheiro, tudo é extremamente bem amarrado, com tensão e drama na medida certa. Para se ter uma ideia do clima da série é como se misturássemos filmes como O Clube da Luta e V de Vingança com a literatura de William Gibson e Aldous Huxley e o som do Chemical Brothers. Há certa urgência e certa violência, mas também há algum torpor nas rotinas letárgicas de cada personagem.


Repleto de grande interpretações - um dos maiores destaques o jovem ator Martin Wallstöm, que vive o vice-presidente sênior te tecnologia da E Corp, Tyrell Wellick - Mr. Robot ainda adota um estilo diferente de filmar, com enquadramentos oblíquos - é comum ver os personagens no canto da tela, dando a dimensão exata de seu tamanho em meio a um mundo de gigantes (e de pessoas importantes) -, elipses narrativas, flashbacks e uso de câmera lenta de forma orgânica. A trilha sonora vai de Beethoven, Neil Diamond e Maria Callas a Perfume Genius, M83, Alabama Shakes e FKA Twigs, contribuindo diretamente para gerar a sensação correta, seja ela a de instabilidade ou a de calmaria. Em uma época em que nunca se deu tanta importância para as questões econômicas, para o produto interno bruto, para o crescimento mercadológico, para a geração de emprego e renda e, enfim, de riqueza, Mr. Robot é daquelas séries que faz pensar, e muito, sobre nosso papel nesse contexto. Que venha a segunda temporada!

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