Como se não fosse suficiente a gente falar sobre música e cinema - assuntos que adoramos dar pitacos, mesmo sem muito conhecer - agora resolvemos falar também de teatro! É o quadro novo aqui do site, o Palco Picanha (criativo, né?). E na estreia, uma pequena análise da ótima peça Frida Kahlo, À Revolução, exibida na noite de ontem, no Teatro da Univates,
Isso não significa, por exemplo, que o cenário, as luzes, o figurino e outros elementos, ainda que minimalistas, não sejam bem utilizado pelos artistas - no caso a protagonista Juçara Gaspar, que vive Frida, e o músico Luciano Alves que, como se nem estivesse presente, executa a trilha sonora incidental, ao vivo. Para contar a história da pintora mexicana nascida no início do século passado, em formato de monólogo (ou fluxo de pensamento), são necessárias apenas algumas vestes - que servirão para indicar as pequenas ou grandes mudanças na vida da artista -, um cavalete com algumas pinturas, uma aquarela, uma cadeira de rodas, uma manta vermelha e um colete ortopédico. Um ou outro jogo de luz. Uma sonoridade simples e ao mesmo tempo complexa. Importará, afinal, para o público presente, no trabalho dirigido por Daniel Colin, a mensagem sobre o princípio revolucionário e sobre a "arte como denúncia solidária e solitária", como diz o material de divulgação do evento.
A história, ainda que enxuta apresentada em apenas 60 minutos, resgata diversos momentos da vida de Frida, entre eles, o conturbado relacionamento com o pintor muralista Diego Rivera, as andanças do casal pelos Estados Unidos e pela Europa, onde sua arte regionalista e folclórica era tratada com certa curiosa distinção pelos burgueses locais, as dificuldades decorrentes de uma poliomelite contraída quando ainda tinha seis anos de idade e que lhe comprometeram os movimentos da perna direita pelo resto da vida, a bissexualidade - em uma contagiante cena com a participação involuntária da plateia -, além dos seus diversos abortos. Ao representar a perda de um filho, por sinal, talvez esteja a cena mais impactante e comovente de toda a peça, quando um manto vermelho aliado a um palco banhado por luz da mesma cor, forjam uma poça de sangue que talvez não fossem suficientes para diagnosticar o quão devastado estava o coração da artista nessa ocasião.
Nesse sentido, são os aspectos mais humanos dessa "personagem real" que são capazes de fazer com que ela transcenda a condição de mito. A luta pela revolução, com dezenas de citações ao comunismo, ao socialismo e a Trotsky - que lhes serviu inclusive como hóspedes - talvez fosse capaz de fazer arrepiar os pelos da família de bem mais raivosa presente no local (aquela mesma fatia do público, pequena, que se recusou inclusive a aplaudir o espetáculo) e que se regozija, por exemplo, com o fim do Ministério da Cultura. Mas o que pede Frida - e a sua intérprete Juçara -, em cada excerto de seu verborrágico e necessário discurso é que nos "revolucionemos a nós mesmos". Que não fiquemos acomodados, que sejamos capazes de questionar o status quo ou aquilo a que somos obrigados a engolir goela abaixo. Enfim, que possamos viver a vida com mais leveza, atentos as coisas simples, a natureza, talvez até com alguma ingenuidade a mais - mas sem perder a paixão vibrante e explosiva por aquilo que nos rodeia e comove. Assim como era a arte de Frida Kahlo. E só essa mensagem, já é suficiente para que a peça tenha valido. E muito.
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