sexta-feira, 20 de maio de 2016

Palco Picanha - Frida Kahlo, À Revolução

Como se não fosse suficiente a gente falar sobre música e cinema - assuntos que adoramos dar pitacos, mesmo sem muito conhecer - agora resolvemos falar também de teatro! É o quadro novo aqui do site, o Palco Picanha (criativo, né?). E na estreia, uma pequena análise da ótima peça Frida Kahlo, À Revolução, exibida na noite de ontem, no Teatro da Univates,


No cinema ocorre quase que invariavelmente - salvo algumas raras exceções: o filme que possui grandes arroubos tecnológicos, traduzidos em megalomaníacos efeitos especiais, explosões mirabolantes e uso de computador em praticamente todas as cenas, muitas vezes fica devendo na qualidade da história. É como se um frágil roteiro ou um argumento mal construído ou sem pé nem cabeça fosse encoberto pelos milhões investidos em toneladas de tecnologia. Algo que talvez pudesse ser chamado de Efeito Michael Bay. Não sei se vale a mesma lógica para o teatro - até mesmo porque este é mais um assunto do qual não somos especialistas - mas se dependermos daquilo que é visto na espetacular peça Frida Kahlo, À Revolução - exibida na noite de ontem, com bom público no Teatro da Univates - saímos com a certeza de que menos é mais.

Isso não significa, por exemplo, que o cenário, as luzes, o figurino e outros elementos, ainda que minimalistas, não sejam bem utilizado pelos artistas - no caso a protagonista Juçara Gaspar, que vive Frida, e o músico Luciano Alves que, como se nem estivesse presente, executa a trilha sonora incidental, ao vivo. Para contar a história da pintora mexicana nascida no início do século passado, em formato de monólogo (ou fluxo de pensamento), são necessárias apenas algumas vestes - que servirão para indicar as pequenas ou grandes mudanças na vida da artista -, um cavalete com algumas pinturas, uma aquarela, uma cadeira de rodas, uma manta vermelha e um colete ortopédico. Um ou outro jogo de luz. Uma sonoridade simples e ao mesmo tempo complexa. Importará, afinal, para o público presente, no trabalho dirigido por Daniel Colin, a mensagem sobre o princípio revolucionário e sobre a "arte como denúncia solidária e solitária", como diz o material de divulgação do evento.


A história, ainda que enxuta apresentada em apenas 60 minutos, resgata diversos momentos da vida de Frida, entre eles, o conturbado relacionamento com o pintor muralista Diego Rivera, as andanças do casal pelos Estados Unidos e pela Europa, onde sua arte regionalista e folclórica era tratada com certa curiosa distinção pelos burgueses locais, as dificuldades decorrentes de uma poliomelite contraída quando ainda tinha seis anos de idade e que lhe comprometeram os movimentos da perna direita pelo resto da vida, a bissexualidade - em uma contagiante cena com a participação involuntária da plateia -, além dos seus diversos abortos. Ao representar a perda de um filho, por sinal, talvez esteja a cena mais impactante e comovente de toda a peça, quando um manto vermelho aliado a um palco banhado por luz da mesma cor, forjam uma poça de sangue que talvez não fossem suficientes para diagnosticar o quão devastado estava o coração da artista nessa ocasião.

Nesse sentido, são os aspectos mais humanos dessa "personagem real" que são capazes de fazer com que ela transcenda a condição de mito. A luta pela revolução, com dezenas de citações ao comunismo, ao socialismo e a Trotsky - que lhes serviu inclusive como hóspedes - talvez fosse capaz de fazer arrepiar os pelos da família de bem mais raivosa presente no local (aquela mesma fatia do público, pequena, que se recusou inclusive a aplaudir o espetáculo) e que se regozija, por exemplo, com o fim do Ministério da Cultura. Mas o que pede Frida - e a sua intérprete Juçara -, em cada excerto de seu verborrágico e necessário discurso é que nos "revolucionemos a nós mesmos". Que não fiquemos acomodados, que sejamos capazes de questionar o status quo ou aquilo a que somos obrigados a engolir goela abaixo. Enfim, que possamos viver a vida com mais leveza, atentos as coisas simples, a natureza, talvez até com alguma ingenuidade a mais - mas sem perder a paixão vibrante e explosiva por aquilo que nos rodeia e comove. Assim como era a arte de Frida Kahlo. E só essa mensagem, já é suficiente para que a peça tenha valido. E muito.



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