terça-feira, 10 de maio de 2016

Disco da Semana - Radiohead (A Moon Shaped Pool)

Os amigos mais chegados sabem como funciona para este jornalista e blogueiro o processo de apreciação de um disco - até mesmo para a elaboração das resenhas aqui pro Picanha: são necessárias no mínimo cinco audições do álbum em questão para que haja um entendimento razoável daquilo que o artista quis dizer com o trabalho. Evidentemente existem uma infinidade de registros em que este número é insuficiente, dada a complexidade de elementos, a abrangência sonora e a ampla diversidade de ideias e possibilidades escondidas em cada curva de determinado disco, em cada detalhe instrumental, em cada movimento lírico ou execução vocal. Com o Radiohead sempre foi assim. Não à toa, sempre que escuto discos como Ok Computer (1997) e, especialmente, Kid A (2000), pareço sempre encontrar novos detalhes, sentidos, significados naquilo que estou ouvindo. E isto, indubitavelmente, tem a ver com qualidade artística.

É bem provável que também sejam necessárias uma boa quantidade de audições do novo disco dos ingleses, intitulado A Moon Shaped Pool, para que haja um pleno senso de compreensão das ideias postas em prática por Thom Yorke em companhia. Em uma época em que tudo é tão urgente, instantâneo e imediato, exigir dos ouvintes "audições infinitas" é mais ou menos como colocá-los em uma câmara de tortura em que é executada música clássica 24 horas ao dia (o comparativo não é por acaso). Nesse sentido, é muito provável que os que optarem por encarar a empreitada, sejam plenamente recompensados. E para os birrentos que consideram o Radiohead uma banda chata, cansativa e repetitiva, sempre haverá um bom disco do Coldplay para ser ouvido - e aqui a minha intenção não é dar uma de pretensioso, juro. É mais ou menos como assistir a algum clássico do Bergman ou do Godard: em seu lugar sempre será mais fácil olhar o novo filme do Adam Sandler. Consistem-se em diferentes graus de exigências.




Somente a abertura, com a essencialmente claustrofóbica Burn the Witch, já seria suficiente para elevar A Moon Shaped Pool a um outro patamar. Em meio ao instrumental - exclusividade da London Contemporary Orchestra -  que emula guinchos de lâminas, que quase fazem lembrar a sonoridade concebida por Bernard Hermann em Psicose (1960), temos o vocal absolutamente fantasmagórico de Yorke entoando versos, como, red crosses on wooden doors / and if you float you burn. A tensão é quase palpável e sempre crescente - como se estivéssemos em um filme de suspense em que algo muito grave irá ocorrer. E, juro, faz arrepiar. Como numa jogada de mestre, a segunda canção, Daydreaming, mais parece Radiohead das antigas, com o drama de sempre, os versos existencialistas (e o videoclipe idem) e um instrumental que toma por base a execução de um piano ao mesmo tempo sutil e elegante.

O trabalho segue com diversas canções no melhor estilo da tradição dos ingleses, a grande maioria delas pautada pela melancolia e pela desilusão em relação ao mundo em que se vive. Algo que também pode ser percebido nas letras introspectivas, como em Identikit (Sweet-faced ones with nothing left inside / That we all can love) ou na contemplativa The Numbers (We are of the earth / To her we do return / The future is inside us / It's not somewhere else). As músicas também são bastante variadas no que dizem respeito à execução. Decks Dark, por exemplo, tem efeitinhos eletrônicos e coral eclesiástico ao fundo. Já Ful Stop é minimalista e tensa. Glass Eye, por outro lado, é dominada pelo violino luxuriante, ao passo que Desert Island Disk possui um surpreendente clima country - à John Denver - com direito a violãozinho acústico. Tudo soberbamente realizado, com vocal limpo e produção caprichada.




Ainda assim, é muito provável que parte da crítica e dos fãs se queixem da inclusão de faixas que já vinham, há um bom tempo, sendo executadas em shows do grupo desde o início do milênio. Afinal de contas, o que haveria de novo em ouvir Identikit, Present Tense e, mais especificamente, True Love Waits? Oras, ouvi-las finalmente bem arranjadas e trabalhadas em um disco completo, como sempre sonhou quem gosta da banda. No fim das contas, pode ser que Yorke e companhia tenham exagerado um pouco na jogada de marketing - fazendo desaparecer as suas páginas e contas em redes sociais e disponibilizando teasers e imagens misteriosas antes do lançamento guardado a sete chaves. Bom, mas se tem uma banda que pode fazer isso na atualidade, esta é o Radiohead. E, definitivamente, o lançamento de A Moon Shaped Pool, pelo bem ou pelo mal, já é o acontecimento musical do ano. O que não é pouco.

Nota: 9,0

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