terça-feira, 3 de maio de 2016

Cinema: Prova de Coragem

De: Roberto Gervitz. Com: Armando Babaioff, Mariana Ximenes, Áurea Maranhão e Daniel Volpi. Drama, Brasil, 2016, 90 minutos.

Há algo de heróico em vencer a si mesmo.

Esta é a frase do release oficial do filme Prova de Coragem, produção dirigida por Roberto Gervitz (Feliz Ano Velho, Jogo Subterrâneo) que adapta para o cinema o livro Mãos de Cavalo, do escritor Daniel Galera (autor, dentre outros, de Até o Dia em Que o Cão Morreu - que também virou filme nas mãos do diretor Beto Brant, intitulado Cão Sem Dono). Já sou íntimo do livro (e fã do escritor) há tempos, e lembro muito bem de quando, terminada a leitura do Mãos..., eu já conseguia (ou pelo menos sonhava) ver aquela história passando na telona alguns anos dali. Apesar do livro narrar muito os conflitos interiores vividos pelas personagens, havia um quê de ação, movimento, que poderia ser transformado em roteiro - e me é sabido que o diretor demorou aproximadamente 3 anos para conclui-lo. E eis que surpreendentemente volto a me deparar com esta narrativa a qual, além de respeitar a história original, não faz feio em representar o riquíssimo cinema nacional em um filme tocante e que acrescenta novas sutilezas ao nosso olhar (afinal, o cinema é acima de tudo uma arte visual) que fazem esta adaptação altamente recompensante para quem a assiste - além de gerar diversas interpretações, dependendo da experiência pessoal de cada espectador.

A vida é feita de escolhas...

... diz um pôster de divulgação do filme. Pode parecer clichê, e a frase realmente é incensada - lembro de, sei lá, na adolescência ter feito um poema e uma música com esse título... enfim, divago. Mas a verdade é que, alem de simples e abrangente, isto resume muita coisa. A palavra escolha será o ponto de conflito entre todas personagens da obra, bem como as consequências resultantes destas ações. E não deixa de ser maluco constatar que, nas nossas constantes escolhas (mesmo que inconscientes) e com uma "ajuda" de probabilidades, tempo, espaço, acaso, estas acontecem e podem mudar completamente nossas vidas - com as alegrias, riscos e arrependimentos no pacote.


O personagem principal aqui é Hermano (Babaioff), médico cirurgião e casado com a artista plástica Adri (Ximenes), que está trabalhando angustiadamente em uma obra com prazo definido para a exposição que acontecerá na próxima Bienal dali alguns meses. Como toda artista, Adri (interpretada de maneira convincente e encantadora por Ximenes) é inquieta, questionadora, enfim, quase o oposto de seu marido, que é pacato, gentil, e dedicado em ajudar ao próximo. Diferenças estas que serão amplificadas ainda mais quando determinados acontecimentos farão com que estes lidem com seus próprios demônios interiores ao culminar em um momento crítico na vida do casal - e que prometo não revelar para não estragar parte da história para quem não assistiu. Você não consegue enxergar à frente do seu nariz! é uma frase icônica das DR's, e não deixa de ser sintomática aqui também. Como próprio explicado pelo diretor, um dos principais questionamentos da obra é justamente a dificuldade das pessoas traçarem projetos em conjunto em um mundo tão individualista quanto o nosso. E realmente é isso: com redes sociais, o hedonismo, a sensação de possibilidades mil (que, ao mesmo tempo em que estimula nos anseia), em um ambiente tão volátil e superficial, estamos preparados realmente para nos doar ao outro?

Apesar de Hermano ter aquele jeitão responsável, boa praça, há algo dentro de si que o mesmo ainda não conseguiu superar, e que acaba extravasando para áreas mais físicas (o andar de bicicleta, o desafio de querer escalar com o amigo - o carismático Renan (Volpi) - a montanha de alto risco Terra do Fogo, mesmo contrário ao apelo de sua esposa). E se tem algo que o filme mostra muito bem é o salto temporal de eventos presentes ao período pré-adolescente de "Mãos de Cavalo" (como Hermano era conhecido na escola) e seus amigos (como não lembrar do Bonobo e o Chileno, por exemplo?), em um excelente trabalho do elenco jovem - que deixará marcas profundas e será fundamental para o entendimento das motivações responsáveis pelos eventos presentes na vida do Hermano adulto. E para completar há ainda o encontro com Naiara (Maranhão), sua primeira paixão de adolescência, para que sentimentos até então guardados venham à tona - algo que é retratado com muita sensibilidade pelo par de atores - juntamente com segredos e mágoas de ambas as partes.


Em um momento decisivo, nosso personagem terá de tomar as suas decisões e lidar com outras que não foram suas, e esta poderá ser a sua real prova de coragem tão esperada por todos estes anos em busca de uma possível redenção. Não podemos também deixar de falar de Adri e seus desejos, suas angústias travestidas em arte. E é incrível notar que a ideia inspiradora para seu trabalho tenha vindo justamente de um passeio junto a seu marido na qual a mesma parou - acompanhada por Hermano - para fotografar uma árvore de raízes gigantes, linda, mas com folhas frageis e praticamente tomada pelos cupins, cujo acesso também era limitado por cercas de metal - uma imagem altamente evocativa. Habilidades como esta, de transformar sentimentos em imagens, são um dos grandes méritos desta produção: seja nas águas turbulentas do rio no diálogo entre Hermano e Naiara, ou na destruição do quintal "à facão" (pra usar uma expressão bem gauchesca, o filme se passa em Porto Alegre) por Adri, além de símbolos como sangue, marcas físicas, tombos, acidentes, folhas secas sendo ventadas ao ar, velocidade, a trilha sonora e a edição, tudo isso imprime uma visceralidade surpreendente a uma obra que trata de temas tão íntimos, complexos e humanos.

E posso dizer que adoraria ver uma exposição da Adri na próxima Bienal - se isto for possível, claro. Porque afinal nunca sabemos o que pode acontecer no próximo segundo, pois sempre há um momento de aceite, desistência ou mágoa gerada que trará outro de felicidade. Mas para isso é preciso coragem. De tentar, de arriscar. Hermano sabe que de alguma forma perderá, mas que a nossa busca está naquilo que trará sentido e nos preencherá do vazio (cada um à sua maneira) de uma existência tão cheia de angústias e traumas e tão pobre de uma vida plena - algo que a sublime imagem final consegue ilustrar de forma simples, natural e extremamente comovente.


Prova de Coragem estreia oficialmente dia 05 de Maio nos cinemas.


2 comentários:

  1. linda resenha Henrique. Foi um trabalho muito legal de se produzir e que bom que tudo conseguiu se transferir para a tela de uma maneira tão bonita como vc relata.
    um abraço

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    1. Marquito, obrigado pelas palavras e reitero o agradecimento e o orgulho em ter um amigo envolvido nesse ramo tão bonito. Que isso possa chegar ao maior número de pessoas. Grande abraço!

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