segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Espaço do Leitor - Filme (Miss Violence)

Já fazia algum tempinho que o quadro Espaço do Leitor não dava as caras por aqui e o retorno é em grande estilo! A nossa querida amiga, professora, mestre em Cinema/Gastronomia/Blues/Literatura, Rosane Cardoso fala do arrebatador Miss Violence, do grego Alexandro Avranas. A análise apuradíssima feita por ela resulta, seguramente, em um dos melhores textos já publicados até hoje, aqui no Picanha!

Filme: Miss Violence
Texto: Rosane Cardoso

Sabe aquele filme que a gente começa a olhar tendo a certeza que não vai ver até o fim? Pois é, foi o que me aconteceu com este Miss Violence, drama dirigido por Alexandros Avranas, de 2013. A película levou dois prêmios no Festival de Veneza, de direção e de ator para Themis Panou. Voltando à minha descrença quanto ao filme, levei menos de cinco minutos para saber que não conseguiria levantar da poltrona antes do fim. E garanto que não é só pelo suicídio de uma criança logo na primeira cena.

O espectador até sabe o que está acontecendo naquela casa sombria, de pessoas quietas e assustadas. Mesmo assim, não estamos preparados, creio, para a dimensão da violência que ocorre interna e externamente às paredes da casa. Se o incesto é referido frequentemente como o tema da narrativa, do meu ponto de vista ele é só a ponta do iceberg. A mim impactou, sobretudo, as gerações que vão se formando na casa sob o signo da violência silenciosa. Trata-se de uma família formada pelo patriarca que dirige com mão de ferro a vida da esposa, das filhas e dos netos. Poucas palavras são ditas e cinco mulheres denotam cada fase do silenciamento.



Nas mais jovens, ainda se percebe a inocência e certa rebeldia. Mas em Eleni, a mais velha, que sobrepõe uma gravidez a outra, já se apresenta a submissão absoluta, o aprisionamento que os anos de abuso impuseram. Na mãe, a mesma violência toma forma de cegueira voluntária. O melhor é assistir à TV enquanto o marido fecha a porta do quarto das filhas.

Li alguns comentários que criticam o fato de o espectador logo saber o que se passa na casa. Não vejo problema na dita previsibilidade do filme. O diretor comentou, em diversos momentos, que sua proposta era justamente discutir o que acontece, muitas vezes, dentro dos lares sem que ninguém supostamente, veja.  Então, de certo modo, saber o que acontece coloca o espectador próximo aos investigadores, professores, vizinhos que percebem algo estranho na casa, mas nada fazem. Em minha opinião, o choque está em perceber que o óbvio pode ser ainda mais horrível do que se supunha. Enfim, uma pena que tenha passado batido pelos cinemas brasileiros. Felizmente, vivemos tempos de arte online e TVs que não nos desligam diante das tragédias cotidianas.

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