Quando um filme estrangeiro consegue superar o esquema da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que costuma ser pautado por uma certa previsibilidade, para ser incluído, por exemplo, entre os nominados ao Oscar, geralmente isso costuma ser bom sinal. É o caso da animação francesa Ernest e Célestine (Ernest et Célestine), uma verdadeira pérola agora disponível na plataforma de streaming Netflix e que, em 2014, foi indicada a estatueta dourada na categoria Longa Metragem de Animação - tendo sido derrotada pelo incensado Frozen - Uma Aventura Congelante (2013), da Disney. Sem entrar no mérito de qual é melhor - e Frozen é ótimo, todos sabemos disso - é preciso que se diga que o impacto provocado pelo trabalho dos diretores (Renner, Patar e Aubier) é muito mais significativo.
É curioso falar em impacto quando se analisa uma animação. Mas não é de hoje que o cinema voltado aos pequenos aproveita o gancho de, em muitos casos, ser apreciado também por adultos - seja na companhia de crianças ou por gostar mesmo do estilo - para abordar temas espinhosos para a sociedade. E, minimamente, fazer refletir. Ou seja, enquanto as crianças riem, ficam com medo, se enternecem e se emocionam com a beleza dos traços e do trabalho dos desenhistas, fica para os adultos a possibilidade de inferir sobre o material que se vê. O que eventualmente pode resultar em uma experiência, de certa maneira, completa para quem quer que esteja assistindo a película em questão.
Ernest e Célestine é sobre uma sociedade tradicional em que os ursos moram na superfície da terra, convivendo com os seus, ao passo que os ratos habitam os subterrâneos. Nessa terra em que não há humanos uma amizade entre ambas as instâncias não é bem vista por qualquer de seus integrantes. Ao contrário, os roedores servem, inclusive, de alimento para os mamíferos. O protagonista, Ernest, é um urso a margem da sociedade. Com seus instrumentos, costuma realizar apresentações musicais em praça pública com o objetivo de juntar algum dinheiro pra comprar comida, tentando, ainda, ficar distante dos olhos da lei. Já que, aparentemente, a atividade artística não é bem-vinda e encarada como perturbação da ordem. Já a ratinha Celéstine e órfã e estuda para ser dentista, profissão tradicionalíssima em um mundo de ratos - e a explicação para esta predileção em relação ao mercado de trabalho não pode ser mais divertida.
A inusitada aproximação entre ambos se dará no momento em que Ernest mais está com fome. Célestine, ao invés de servir de alimento para o sujeito, o auxilia de outra forma para que ele não passe fome. Aos poucos, a convivência que, inicialmente, parecia difícil, se tornará uma amizade das melhores que há. De maneira que a distância entre ambos, que passam a ser perseguidos pelos líderes de seus mundos, será algo difícil de ser concebido. Essa pequena obra-prima, que recebeu nota 7,9 dos usuários do IMDB - 0,3 pontos a mais do que Frozen - faz uma valiosa reflexão sobre alguns valores do mundo moderno, abordando de maneira singela temas complicados como preconceito, vulnerabilidade social, alienação política e importância da amizade. E tudo isso mantendo ainda um alto grau de diversão. Simplesmente imperdível.
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