De: Jin Ong. Com Jack Tan, Wu Kang-ren, Tan Kim-wang, April Chan e Serene Lim. Drama / Policial, Malásia / Taiwan, 2023, 115 minutos.
[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS]
"Sempre me pergunto por quê nasci aqui. Não tenho casa. Não tenho País. Só posso ver tudo de longe. [...] Minha vida é tomar cuidado, ficar atento, me esconder e fugir." Quem vê um grupo de imigrantes sendo acossado pela polícia ainda no comecinho de Meu Irmão e Eu (Abang Adik) até poderia achar que esse é um filme sobre os Estados Unidos da Era Trump. Mas não, é apenas a Malásia - que, aliás, parece ter uma política meio semelhante à da Terra do Tio Sam. Especialmente no que diz respeito à entrada de estrangeiros vindos de países como Indonésia, Filipinas, Camboja, Vietnã e outros. Em busca de trabalho. Fugindo. Ou mesmo buscando condições melhores de vida. Então quando a gente "ouve" o aflitivo apelo de Abang (Wu Kang-ren) quase no final da obra de Jin Ong - a enviada da Malásia pro Oscar desse ano e que está disponível na Netflix -, é quase impossível não se comover.
Naquela altura Abang está preso. Em um País em que tanto ele quanto o irmão Adik (Jack Tan) estão em constante fuga. Órfãos de ascendência chinesa e sem acesso à documentos, eles são como se fossem não pessoas. Trafegando pelas sombras, no submundo da capital Kuala Lumpur. Figuras desumanizadas, sempre à margem, evitando o Estado e seus representantes a todo o custo. Pra tentar sobreviver, Adik, que é muito mais revoltado e intempestivo, se envolve com um chefão do crime que contrabandeia documentos falsos para trabalhadores imigrantes ilegais, enquanto encontra algum fiapo de amor em um relacionamento com uma prostituta. Por outro lado, Abang é o sujeito afável e de olhar resignado, que se esforça para sobreviver em meio a bicos feitos no Mercado de Pudu, enquanto alimenta uma paixão calorosa pela vizinha Su (April Chan), uma refugiada de Mianmar que também parece estar em apuros.
A rotina vista na primeira metade desse projeto de estreia de Jin Ong é meio acelerada, pulsante - há um ar documental que sugere uma urgência permanente, que dialoga com a hostilidade onipresente. Sobreviver é preciso e, em meio a mercados nem tão limpos e pescoços de galinha sendo decepados sem muita cerimônia, Abang e Adik investem tempo naquilo que acreditam. Por exemplo, quando Adik se depara com uma batida policial no submundo dos imigrantes, ele presencia um suicídio. E não há muito tempo para elaborar sobre o significado daquilo. O dia seguinte bate à porta e sem a papelada em dia não há como ter um emprego, direitos a benefícios sociais básicos ou mesmo a financiamentos de qualquer tipo. Para Abang, o contato com a assistente social Jia En (Serene Lin) pode ser a luz no fim do túnel: funcionária de uma ONG a jovem garante estar progredindo no processo dos irmãos, que só precisariam encontrar um familiar para desenrolar a burocracia.
Mas claro que nem tudo será simples, com a situação piorando no momento em que uma tragédia ocorre na vida da dupla de protagonistas, o que os obrigará a empreender uma fuga. Que os levará para bem longe da capital da Malásia - momento em que o filme dá uma espécie de volta de 180 graus, passando a ser uma experiência levemente mais contemplativa e eventualmente bucólica. No entorno de Abang e Sdik, outras figuras marginalizadas também trafegam, como a carismática Money (Tan Kin-wang), uma transexual veterana que, desde jovem os ajuda (aliás, é ela quem os criou, oficialmente). Desesperançoso e melancólico, esse é o tipo de produção que vem em boa hora, já que lança luz em um tema importantíssimo em tempos de avanço da extrema direita, de crises políticas, de xenofobia e de completa ausência de senso de coletividade. Há todo um pano de fundo sobre sacrifício e lealdade que comove o espectador. Ainda que tudo soe apenas triste. Detalhe: Abang é surdo-mudo. O que torna seu clamor - de voz que, alegoricamente, teima em não ser ouvida -, ainda mais forte.
Nota: 8,0