segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Novidades em Streaming - O Filho de Mil Homens

De: Daniel Rezende. Com Rodrigo Santoro, Miguel Martines, Johnny Massaro e Rebeca Jamir. Drama / Fantasia, Brasil, 2025, 126 minutos.

Quem leu O Filho de Mil Homens, do português Valter Hugo Mãe, já tinha o conhecimento de que se trata de uma obra um tanto poética e lírica, que parte de uma premissa bastante simples - sobre um pescador solitário que nunca conseguiu concretizar o sonho de ser pai -, para uma análise de temas como pertencimento, autoaceitação, família e respeito às diferenças. Em linhas gerais poderia ser meio difícil transportar esse caráter quase onírico e eventualmente existencialista da narrativa do autor para as telas, mas, verdade seja dita, Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs, 2017) conseguiu - e muito. Com uma abordagem delicada, envolta em sutilezas, o diretor converte a obra em uma experiência de fluidez meio ondulante - assim como é o próprio vai e vem do mar -, com tudo ocorrendo sem muita pressa e com uma aposta muito maior em silêncios e em olhares do que em excessos didáticos.

Porque por mais que a narração de Zezé Motta surja, aqui e ali, para conectar certos pontos da história, ela nunca soa invasiva demais ou mesmo desnecessária. No livro de Mãe o protagonista Crisóstomo (Rodrigo Santoro) é apresentado como um sujeito fraturado que, a beira dos 40 anos, vive "pela metade", com seus amores frustrados e uma vida permeada por traumas. O filho desejado se converte numa alegoria bastante concreta - que é representada por um boneco de pano do tamanho de uma criança. Um boneco que é cuidado pelo pescador com esmero, afeto e dedicação. Só que em uma obra tão mágica, quase no limite do realismo fantástico, a criança real não demora a se materializar - como que enviada pela própria natureza (o que é reforçado peças sequências de Crisóstomo colocando uma concha no ouvido ou mesmo deitado na areia luminosa, em uma conversa interna particular).

 


A chegada de Camilo (Miguel Martines), um menino órfão que acaba de perder o seu avô emprestado, transforma a vida do pescador. No cotidiano, estabelecem rapidamente uma relação de pai e filho - com direito a jogos de bola e parceria tanto na hora de comer geleia de jabuticaba, como na hora da pesca. Só que a dupla não está sozinha. Camilo sonha em ter também uma mãe - já que, como descobriremos mais adiante, ele perdeu a própria durante o seu parto. Aliás, sua mãe, Francisca (Juliana Caldas), era uma anã que, por conta de sua condição, sofria todo o tipo de preconceito na comunidade. Menos dos homens, os mais diversos, com quem ela "deitava", pelo visto - o que exaspera um trio de vizinhas enxeridas, que funciona como alívio cômico. Aliás, a discriminação se espalha por toda a parte, atingindo também o jovem gay Antonino (Johnny Massaro), que é forçado a se casar com Isaura (Rebeca Jamir), num arranjo feito pela mãe extremamente religiosa do rapaz, para tentar conter o falatório na região.

Sim, o filme salta de lá para cá e, por vezes, as histórias parecem todas meio desconectadas. Mas, mais adiante fica mais simples de compreender como a obra se converte em um elogio ao conceito atual de família escolhida - e de como podemos encontrar amor em companhia, amizade e afeto de pessoas que, não necessariamente, possuem laços de sangue conosco. Ao cabo, o quarteto central vira uma família improvisada - tida como desajustada pelos cidadãos do vilarejo. Como assim Antonino vai morar com Crisóstomo e Camilo, deixando a sua mãe verdadeira para trás? E, ainda por cima, acompanhado de Isaura? O clima de vigilância é ampliado, quando se toma por base os dogmas religiosos - o que torna ainda mais escancarado o fato de o cidadão de bem médio ter extrema dificuldade em aceitar o diferente. Aquele que não segue um padrão. [SPOILERZINHO] Crisóstomo cresce sozinho, mas alcança o objetivo de formar uma família, ao final. Aliás, as últimas sequências são daquelas de derrubar rios de lágrimas. É difícil sair ileso.

Nota: 8,0 

 

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