segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Novidades em Streaming - O Conde (El Conde)

De: Pablo Larraín. Com Jaime Vadell, Paula Luchsinger, Alfredo Castro e Gloria Münchmeyer. Comédia / Fantasia, Chile, 2023, 111 minutos.

Um filme simples mas, ao mesmo tempo, muito eficiente no retrato dos representantes da extrema direita como essas figuras putrefatas, que insistem em se perpetuar através dos séculos. Mais ou menos assim podemos encarar a experiência com o ótimo O Conde (El Conde), filme do sempre audacioso Pablo Larraín (dos sensacionais O Clube, Ema e Spencer), que converte o general Augusto Pinochet (Jaime Vadell) em um vampiro que se arrasta pelos cômodos de seu palácio decadente, como um espectro que é incapaz de, simplesmente, morrer. Algo que, aliás, expressa à perfeição a alegoria do fascismo como uma cadela sempre pronta a entrar no cio, como dizia o escritor Bertolt Brecht. Com esse sentimento sendo ampliado justamente pela impunidade - com julgamentos e condenações chegando tardiamente, em muitos casos (se é que chegam, né Brasil?), mesmo diante de um sem fim de atrocidades, repressões, torturas, violações dos direitos humanos e, claro, assassinatos (no caso chileno, cerca de 30 mil pessoas).

Só que, por mais incrível que possa parecer, num mundo que elege Donald Trump e Jair Bolsonaro, e mais recentemente a ultradireitista Giorgia Meloni, na Itália, esses ideais radicalmente conservadores, intolerantes, excludentes e extremistas, permanecem vivos. Pinochet, quando simplesmente direcionou o exército para o Palácio de La Moneda para tomar o poder do socialista Salvador Allende na marra, em 1973 - aliás, o Golpe Militar do País vizinho completou 50 anos justamente na última semana -, tinha aquele medo que costuma mover esses seres que se arrastam como mortos-vivos, prontos para "sugar o sangue" de suas vítimas. E que geralmente envolvem temores abstratos relacionados a comunismo, Guerra Fria tardia, marxismo cultural e outras variedades de delírios que, supostamente, resultarão em sonhos sombrios sobre trabalhadores que empunham foices e martelos para pintar as ruas de suas pátrias de vermelho. Oh!

Só que no filme de Larraín, Pinochet resolve, depois de 250 anos de uma vida de atrocidades e de vampirismo sanguinário como metáfora para o horror, que é hora de bater as botas. De abdicar da vida eterna. O que ele tentará realizar parando de se alimentar. Apostando no senso de humor cínico que contrasta com a ambientação contemplativa e carregada que deriva da fotografia em preto e branco, que se soma ainda a trilha sonora de notas tonitruantes, o realizador conecta a monstruosidade dilacerante dessas figuras, com uma decrepitude agonizante. Nesse sentido, talvez uma das sequências que melhor expressa esse contraste, é aquela em que o tirano protagonista confronta os seus cinco filhos que estão em visita ao seu castelo que mais parece uma pocilga - todos de olho no testamento, na herança ou em bens que possam estar em contas bancárias secretas ou em outras maracutaias ao redor do globo. Adentrando o ambiente em um passo capenga amparado por um andador, o sujeito preenche os espaços como o vilão tenebroso que é, ainda que a sua imagem sugira certa fragilidade.

Utilizando os próprios cenários, tanto internos quanto externos (quando o casarão surge como se fosse saído de algum filme de terror do expressionismo alemão) como elementos a fortalecer o ideal de isolamento, de poeira e de podridão, o diretor parte de um fiapo de história que nada mais é do que uma crise existencial de sua figura central (que talvez seja realmente incapaz de se ajustar aos novos tempos). Para deixar uma espécie de legado, confia ao seu mordomo Fyodor (Alfredo Castro), um operário dos campos de extermínio chilenos, uma "mordida" que perpetuará seus ideais. Atribuição que ele não confere à própria esposa, Lucía (Gloria Münchmeyer). Nesse contexto, surge ainda a jovem freira Carmencita (Paula Luchsinger), especialista em contabilidade, que é enviada pela Igreja para exorcizar o velho e tentar amenizar o desastre financeiro da paróquia. Igreja, exército, cidadão de bem ambicioso, tudo se conecta nessa narrativa sombria mas debochada, macabra mas hilária. Só que tem uma surpresinha no final, que nos faz refletir sobre a natureza recorrente dos sistemas totalitários. A gente ri em muitos momentos: mas é um riso incômodo, de nervoso. Tá na Netflix.

Nota: 8,5

 

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