segunda-feira, 24 de abril de 2023

Cinema - Broker: Uma Nova Chance (브로커)

De: Hirokazu Koreeda. Com Lee Ji-Eun, Song Kang-Ho, Gang Dong Won e Bae Doona. Drama, Coréia do Sul, 2022, 129 minutos.

Quem acompanha a carreira do diretor Hirokazu Koreeda sabe que, no cerne de muitas de suas obras, costuma estar a completa desconstrução do conceito de família - ao menos num sentido mais tradicional do termo. Foi assim com os premiados Ninguém Pode Saber (2004), Pais e Filhos (2013) e Assunto de Família (2018). É assim também com o recente Broker: Uma Nova Chance (브로커), que está em cartaz nas salas do País. A trama não poderia ser mais intrincada, se espalhando como um emaranhado que, no fim das contas, nos deixa num universo de incertezas em relação ao que seria a decisão correta a se tomar em determinadas circunstâncias. Tudo começa em uma noite chuvosa, sombria. A jovem So-young (Lee Ji-Eun) se aproxima de uma Igreja para deixar um bebê - seu próprio filho - em uma espécie de caixa (algo tipo um abandono "institucionalizado"). Junto ao pequeno, apenas um bilhete com a promessa de que ela voltará.

Ela volta. Já no dia seguinte, quando ela descobre que o bebê já está em posse da dupla Sang-hyun (Song Kang-Ho, visto em Parasita, 2019) e Soo-dong (Gang Dong Won). O primeiro é o proprietário de uma lavanderia que, nas aparências, atua como um voluntário da paróquia. O segundo é o responsável por um esquema que rola por baixo dos panos e que envolve o tráfico de bebês - com o conhecimento e a conivência do primeiro. Nesse meio tempo So-young chamou a polícia, que passa a investigar o caso nos bastidores. E como se já não bastasse toda a complexidade do caso, a jovem protagonista, sem ter muito pra onde ir, resolve se juntar à dupla na missão de tentar encontrar pais adequados e que estejam dispostos à adotar seu próprio filho. A ideia por trás é de que os investigadores possam efetuar o flagrante. Enquanto acompanhamos a peregrinação do trio e do bebê, que mais adiante passarão a ter a companhia ainda do pequeno Hae-jin (Im Seung-soo), um órfão fã de futebol que se junta a eles.

E por mais que no centro da narrativa esteja a ocorrência de um grave crime - o tráfico de seres humanos -, o que Koreeda faz, com sua habitual habilidade, é subverter a ordem quando a ideia é apontar mocinhos e bandidos. Quando tomamos contato com o passado da dupla central de trambiqueiros, descobriremos que eles também são órfãos. No mesmo orfanato em que esteve Hae-Jin. "Depois dos seis anos ninguém quer te adotar", lembra alguém. Nesse sentido, está totalmente equivocado o ideal de tentar encontrar pais amorosos e dispostos à criação de um filho, ainda que isso seja feito do ponto de vista completamente ilegal? Sim, é estranhíssimo pensar sobre isso, mas enquanto acompanhamos a aventura desse quinteto improvável, vamos nos dando conta de que família, talvez não necessariamente tenha a ver com laços de sangue. Aliás, uma ideia batida que, aqui, volta à baila, quando vemos todos ali se apoiando a partir do que lhes impôs o destino. Ainda mais em um mundo tão complicado como o que vivemos.

Ok, ninguém esqueceu da gravidade do assunto que acompanhamos no filme. Mas as circunstãncias não podem ser ignoradas - o que também determina, em partes, as ações de So-young, que envolvem ainda um outro crime cometido, este contra um homem que, muito provavelmente, teria abusado dela. Ao cabo, essa é uma obra que nos faz pensar sobre todas essas questões, mas de uma forma curiosamente leve - sem uma mão pesada, excessivamente moralista ou necessariamente panfletária por trás. Ao contrário, são tantos os momentos tocantes envolvendo aquele coletivo de desajustados que, no fim das contas, nos vemos torcendo para que todos ali possam ter o melhor destino. Do bebê ao dono da lavanderia - sem esquecer que todos ali são vítimas de um sistema maior. Em um momento em que reacionários insistem em desqualificar o ideal de família mais plural (ou menos convencional), o clamor por empatia parece falar mais alto nessa experiência ao mesmo tempo melodramática e inovadora. Quem conseguir quebrar os protocolos do julgamento pelo julgamento encontrará aqui um filmão. Que talvez até nos faça repensar a nossa visão sobre as famílias "improvisadas".

Nota: 8,5


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