segunda-feira, 10 de abril de 2023

Tesouros Cinéfilos - Vestígios do Dia (The Remains of the Day)

De: James Ivory. Com Emma Thompson, Anthony Hopkins, Hugh Grant, Christopher Reeve e James Fox. Drama / Romance, EUA / Reino Unido, 1993, 134 minutos.

Em uma das tantas cenas tocantes de Vestígios do Dia (The Remains of the Day), o sisudo senhor James Stevens (Anthony Hopkins) - mordomo-chefe em uma casa de campo em Darlington Hall - é informado do falecimento de seu pai. O trágico comunicado chega em meio a um importante jantar promovido pelo lorde Darlington (James Fox), um evento pomposo prestigiado por lideranças políticas européias e que pode definir o futuro das nações envolvidas - o período é o entre-guerras. Ocupado com o seu ofício, realizado com rigoroso senso de servidão, senhor Stevens não para o que está fazendo. Aliás, mal tem tempo para escutar as condolências dos demais - como as que são concedidas pela governanta miss Kenton (Emma Thompson), com quem mantém uma relação turbulenta e que vai no limite entre o profissionalismo exagerado e algum tipo de admiração um tanto reprimida.

Sim, na casa de Darlington Hall as decisões em meio a mesas fartas e representantes de países como França, Alemanha e Inglaterra, sempre tomam por base certa discrição. Aliás, discrição que se estende ao grande grupo de serviçais que se ocupa de manter tudo em ordem. Miss Kenton vem para ocupar a vaga que foi deixada pela governanta anterior, que abandonou o trabalho em prol de um casamento com um outro empregado do local - no caso, um copeiro. Para evitar novos problemas, o senhor Stevens coloca o próprio pai, um idoso de 75 anos também chamado de senhor Stevens (Peter Vaughan), para cuidar de louças, bandejas e talheres. A coisa vai mais ou menos bem até o infarto que leva o senhor Stevens "sênior". E tudo piora quando a miss Kenton - uma figura carismática, que funciona como uma espécie de espírito mais livre em meio aquele cenário absurdamente conservador, fechado - resolve contratar duas jovens judias refugiadas da Alemanha. Para desgosto do lorde Darlington.


Por que o caso é que o senhor Darlington é, sem muito espaço para ambiguidades, simpático ao nazismo. E, de alguma maneira, a rigidez totalitária da ideologia extremista, parece contaminar o ambiente como um todo. Stevens parece, por extensão, incapaz de estabelecer um diálogo mais "leve" com miss Kenton. Tudo ocorre às turras, com comportamentos passivo-agressivos que quase descambam para o abuso psicológico. Abalada pela forma rude como é tratada pelo mordomo-chefe, miss Kenton aceita um casamento meio que de fachada para simplesmente sumir dali. E o caso é que, ao cabo, todos ali se arrependerão do que fizeram naquele passado de vinte anos atrás - do proprietário envolvido com um regime político problemático (pra dizer o mínimo), passando pelo mordomo-chefe, aparentemente incapaz de reduzir o ideal de sacrifício em seu ofício em prol de uma maior satisfação na vida pessoal, até chegar a governanta, que casa mesmo sem estar tão a fim assim de um matrimônio. Mas haverá tempo para corrigir a rota?

Com elegância, James Ivory se apropria do texto de Kazuo Ishiguro - no qual a obra é embasada -, para entregar uma experiência classuda, riquíssima em matéria de figurinos e cenários (o desenho de produção é não menos que soberbo e possui o DNA das obras de época típicas dos anos 90). [ATENÇÃO PARA OS SPOILERS] Já Emma Thompson e Anthony Hopkins comovem como o maior "não casal" da história do cinema - o que converte a famosa cena final, aquela em que as mãos tocam por um último instante enquanto ambos se olham e choram, em uma das dilacerantes da era moderna (e confesso que sempre que vejo esse instante um arrepio percorre a minha alma). É, ao cabo, um filme sobre um relacionamento que nunca se consuma e que serve como uma metáfora perfeita para a aspereza dos tempos de guerra - em que homens preferem morrer pelo seu ofício (não esqueçamos do pai de Stevens) do que baixar as armas e... amar. O filme receberia oito indicações ao Oscar, permanecendo eternizado como uma ode às paixões platônicas. Independente de idade.


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