sexta-feira, 28 de abril de 2023

Tesouros Cinéfilos - Phoenix

De: Christian Petzold. Com Nina Hoss, Ronald Zehrfeld e Nina Kunzerdorf. Drama, Alemanha, 2014, 98 minutos.

"O tempo é tão antigo e o amor tão breve / O amor é ouro puro e o tempo um ladrão / Estamos atrasados ​​querido, estamos atrasados / A cortina desce, tudo termina cedo demais". É simplesmente impossível não abrir um largo sorriso enquanto assistimos à cantora Nelly (Nina Hoss, vista recentemente em Tár), em uma interpretação da canção Speak Low, escrita por Kurt Weill e Ogden Nash, em 1943, já nos instantes finais de Phoenix - essa pequena obra-prima do cinema moderno dirigida por Christian Petzold (do ótimo Em Trânsito, 2018), e que está disponível no Mubi. Esse, ao cabo, é um daqueles momentos de elevação, capazes de converter o cinema em arte. Tudo se fecha, afinal, com a enigmática letra da música servindo não apenas como um mero acessório sem função, mas como uma metáfora mais do que perfeita para tudo aquilo que assistimos até então. "Fale baixe enquanto você fala amor / Nosso dia de verão murcha muito cedo". É um aviso. Um alerta.

Até aquela altura da trama, tudo parecia ser apenas ambiguidade dentro daquele contexto de pós-guerra. Nelly é uma jovem que sobreviveu aos campos de concentração, mas teve o seu rosto desfigurado durante um ataque. Ela não morreu, mas seu marido Johnny (Ronald Zehrfeld) pensa que ela não está viva, enquanto serve uma ou outra garrafa de bebidas na boate que dá nome ao filme. Determinada à retornar à Berlim, Nelly passa por um severo procedimento cirúrgico que reconstrói sua face. O objetivo é o de tentar ficar o mais próximo possível de como era a sua aparência. O médico alerta de que talvez essa seja a oportunidade para um novo rosto, que deixe as marcas - da guerra, dos preconceitos - para trás. Tudo é acompanhado de perto pela leal amiga Lene (Nina Kunzerdorf), que funcionará também como uma conselheira, que a adverte sobre os riscos que envolvem um reencontro com o, agora, ex.

Vagando como um fantasma ressuscitado por Berlim, a protagonista reencontra Johnny, que não a reconhece - mas acha curioso o fato de ela ser muito semelhante à sua "falecida" esposa. E, diante desse fato, resolve bolar um plano à moda dos filmes de Hitchcock que, aqui, têm a adição de uma pitada meio noir, e que envolve a grana que Nelly tem para receber como uma espécie de benefício/herança (da sua casa só restaram escombros). A ideia é fazer com que Nelly se passe por... ela mesma, para que o dinheiro possa ser obtido. Sendo posteriormente dividido entre os dois. E, nesse cenário, não deixará de ser comovente o esforço de Nelly em reencontrar o amor, essa paixão perdida pelo ex-marido (com quem dividia a vida e os palcos, já que ele era pianista e ela cantora), ao passo em que o sujeito só enxergará nela a oportunidade de faturar uma grana.

Misterioso, o filme nos conduz para uma experiência que nos confunde e nos deixa em dúvidas com as suas idas e vindas. Com a situação chegando ao limite conforme Nelly avança de forma gradativa na construção da personagem dela mesma - e não deixa de ser impressionante notar o fato de que, quanto mais iluminado seu rosto fica, mais próxima de subverter suas decisões para bem longe de certa lógica, ela parece estar. É um rosto que brilha externamente, enquanto internamente algo esvanece. Ela está murchando, mas crescendo em igual medida. Em certo momento surge sedutora. Mas indecifrável. Esse vai e vem de incertezas é apenas a cereja do bolo de uma obra que brilha ao, nas suas entranhas, discutir a independência da mulher e a capacidade de seguir seu caminho sem necessariamente estar atrelada a um homem. O filme é feminista? Não sei dizer. Mas o final, sem romantismo exacerbado, é de uma delicadeza e de um vigor inebriantes. Que tornam impossível ficar alheio.


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