quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Cinema - Não Se Preocupe, Querida (Don't Worry Darling)

De: Olivia Wilde. Com Florence Pugh, Harry Styles e Chris Pine. Drama / Suspense / Ficção Científica, EUA, 2022, 123 minutos.

Se Não Se Preocupe, Querida (Don't Worry Darling) fosse um gráfico cartesiano, muito provavelmente ele seria uma parábola - que é aquele em formato de "U". A meu ver trata-se de um filme que começa muito bem, despertando a curiosidade do espectador ao entregar pequenas pílulas, mas sem entregar muito da história. Lá pelo segundo terço ocorre uma queda no ritmo, mais pelas repetições de ideias dentro da narrativa - que poderia ter essa parte um pouco mais enxugada, pra não ficar aquela sensação de um roteiro que parece dar voltas no mesmo lugar - do que pela execução em si. Até mesmo porque a parte técnica é instigante. E lá pro final, quando das surpresas, fica uma sensação de que tudo ocorre de forma meio apressada. Parece, nesse sentido, haver um certo desequilíbrio estrutural na coisa toda. Isso significa que não é bom? Não, de forma alguma. Trata-se de uma boa ficção científica, que talvez carecesse de algum aprofundamento de temas. E de uma melhor distribuição entre seus atos.

Sim, eu estou sabendo que a obra dirigida por Olivia Wilde teve uma série de problemas de bastidores. Mas isso não converte a experiência em algo negativo - e basta pensar em clássicos como Os Pássaros (1963), Apocalype Now (1979) e Chinatown (!974), que foram tumultuadíssimos por trás das câmeras, sem que isso necessariamente interferisse no produto final. Na trama, que mistura Esposas em Conflito (1975) com A Vila (2004), somos apresentados a uma idílica, próspera e isolada comunidade em que todos parecem conviver muito bem. Ou ao menos nas aparências. Todos ali são jovens, bonitos, saudáveis. O mesmo vale para as habitações, sempre limpas, brancas, uniformemente impecáveis, com jardins bem organizados, e coqueiros milimetricamente plantados. A rotina não parece ter muitas novidades: os maridos saem pra trabalhar (em lugar montanhoso, distante dali). As mulheres permanecem, em encontros recreativos e exibicionistas, em meio a chás, festas pomposas, compras e fofoquinhas sobre todos ali. Mas sem deixar de lado a faxina diária.



É a vidinha rotineira daquele bairro nobre da sua cidade, que vocês conhecem bem, com as dondocas frequentando os clubes, enquanto os maridos se ocupam em trazer pra casa o leite das crianças. Só que uma das moradoras dali, a jovem Alice Chambers (Florence Pugh), começa a estranhar um tanto, quando alguns eventos estranhos começam a acontecer. Será coisa da imaginação dela? Ou haverá segredos naquele local que todas as mulheres ali desconhecem? Por quê nenhuma delas sabe muito bem qual é, afinal, o trabalho dos maridos? No que eles se ocupam? Tudo parece bem ordenadinho, certinho. Mas Alice passa a ter visões sombrias. Que se materializam em excêntricos eventos - seja paredes que se movem, pessoas que parecem estar em um lugar sem estarem, barulhos incômodos. Curiosa, resolve tentar atravessar um longo deserto - aliás, o desenho de produção é muito engenhoso em apresentar esse contraste entre a insipidez da vida utópica da cidadezinha e a rudeza amarelada do caminho tortuoso de pedras - que leva até a montanha. E, bom, não é preciso ser adivinho pra supor que toda essa indiscrição de Alice chacoalhará o interior daquele espaço tão alegre quanto hipócrita.

Indo no limite da crítica social, a meu ver o filme falha um pouquinho em suas motivações - e o que poderia ser uma obra que versa sobre machismo, misoginia e outros preconceitos, é banalizada a partir da falta de lógica que envolve certas escolhas dos protagonistas. Vivido pelo cantor Harry Styles - alguém precisa dizer a ele que ele não precisa necessariamente ser ator, pode se focar na música que ele faz tão bem -, o marido de Alice se apresenta como um sujeito que pretende decidir pela vida de sua esposa (mas o caráter aparentemente benevolente de suas intenções, gera apenas estranhamento). Em tempos em que extremistas de direita se utilizam do Estado e da religião como forma de decidir pelos corpos alheios - especialmente os das mulheres -, ver uma metáfora do tipo sendo subaproveitada na narrativa nos faz ficar com o nariz meio torcido. É tudo meio acelerado, sem tempo pra deglutir. Sem falar que há uma contradição na coisa toda, por mais que, ao cabo, nos deparemos com o aspecto absurdista de uma narrativa com mulheres presas, tendo de lutar pela sua liberdade. A mistura é boa e até parece que vai sair um bolo bom. Mas na conclusão fica aquela sensação de faltou algo.

Nota: 6,5


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