De: Olivia Wilde. Com Florence Pugh, Harry Styles e Chris Pine. Drama / Suspense / Ficção Científica, EUA, 2022, 123 minutos.
Sim, eu estou sabendo que a obra dirigida por Olivia Wilde teve uma série de problemas de bastidores. Mas isso não converte a experiência em algo negativo - e basta pensar em clássicos como Os Pássaros (1963), Apocalype Now (1979) e Chinatown (!974), que foram tumultuadíssimos por trás das câmeras, sem que isso necessariamente interferisse no produto final. Na trama, que mistura Esposas em Conflito (1975) com A Vila (2004), somos apresentados a uma idílica, próspera e isolada comunidade em que todos parecem conviver muito bem. Ou ao menos nas aparências. Todos ali são jovens, bonitos, saudáveis. O mesmo vale para as habitações, sempre limpas, brancas, uniformemente impecáveis, com jardins bem organizados, e coqueiros milimetricamente plantados. A rotina não parece ter muitas novidades: os maridos saem pra trabalhar (em lugar montanhoso, distante dali). As mulheres permanecem, em encontros recreativos e exibicionistas, em meio a chás, festas pomposas, compras e fofoquinhas sobre todos ali. Mas sem deixar de lado a faxina diária.
É a vidinha rotineira daquele bairro nobre da sua cidade, que vocês conhecem bem, com as dondocas frequentando os clubes, enquanto os maridos se ocupam em trazer pra casa o leite das crianças. Só que uma das moradoras dali, a jovem Alice Chambers (Florence Pugh), começa a estranhar um tanto, quando alguns eventos estranhos começam a acontecer. Será coisa da imaginação dela? Ou haverá segredos naquele local que todas as mulheres ali desconhecem? Por quê nenhuma delas sabe muito bem qual é, afinal, o trabalho dos maridos? No que eles se ocupam? Tudo parece bem ordenadinho, certinho. Mas Alice passa a ter visões sombrias. Que se materializam em excêntricos eventos - seja paredes que se movem, pessoas que parecem estar em um lugar sem estarem, barulhos incômodos. Curiosa, resolve tentar atravessar um longo deserto - aliás, o desenho de produção é muito engenhoso em apresentar esse contraste entre a insipidez da vida utópica da cidadezinha e a rudeza amarelada do caminho tortuoso de pedras - que leva até a montanha. E, bom, não é preciso ser adivinho pra supor que toda essa indiscrição de Alice chacoalhará o interior daquele espaço tão alegre quanto hipócrita.
Indo no limite da crítica social, a meu ver o filme falha um pouquinho em suas motivações - e o que poderia ser uma obra que versa sobre machismo, misoginia e outros preconceitos, é banalizada a partir da falta de lógica que envolve certas escolhas dos protagonistas. Vivido pelo cantor Harry Styles - alguém precisa dizer a ele que ele não precisa necessariamente ser ator, pode se focar na música que ele faz tão bem -, o marido de Alice se apresenta como um sujeito que pretende decidir pela vida de sua esposa (mas o caráter aparentemente benevolente de suas intenções, gera apenas estranhamento). Em tempos em que extremistas de direita se utilizam do Estado e da religião como forma de decidir pelos corpos alheios - especialmente os das mulheres -, ver uma metáfora do tipo sendo subaproveitada na narrativa nos faz ficar com o nariz meio torcido. É tudo meio acelerado, sem tempo pra deglutir. Sem falar que há uma contradição na coisa toda, por mais que, ao cabo, nos deparemos com o aspecto absurdista de uma narrativa com mulheres presas, tendo de lutar pela sua liberdade. A mistura é boa e até parece que vai sair um bolo bom. Mas na conclusão fica aquela sensação de faltou algo.
Nota: 6,5
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