quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Cinema - Aftersun

De: Charlotte Wells. Com Francesca Corio e Paul Mescal. Comédia / Drama, EUA / Reino Unido, 2022, 96 minutos.

Existe uma sequência em Aftersun que, assim como muitas do filme de estreia de Charlotte Wells, parece apenas prosaica. Mas que, ao cabo, é cheia de significados. Significados que estão por trás, fora do quadro, para além daquilo que a gente enxerga de forma mais palpável. Nela, a jovem Sophie (Francesca Corio) convida seu pai Calum (Paul Mescal) para uma sessão de karaokê. Os dois estão em um hotel de baixo orçamento - daqueles meio caóticos, com obras acontecendo ao mesmo tempo em que os hóspedes saboreiam suas bebidas -, para curtir o feriado. Calum fará aniversário dali um ou dois dias - trinta e alguma coisa. O passeio talvez simbolize a busca por algum tipo de celebração - um fiapo de alegria para quem recém se separou e não consegue deixar de dizer "eu te amo" para a ex-mulher ao telefone. Alguém que tem claras limitações financeiras, mas que fará o possível para que a sua filha seja feliz naquele microcosmo. Ainda que, para isso, seja necessário deixar os demônios interiores bem guardados.

E por mais que Sophie - uma graciosa pré-adolescente de 11 anos - argumente com o pai que ele "gostava de fazer isso", Calum nega o convite para entoar Losing My Religion, do R.E.M., de forma improvisada. A canção será entoada sozinha pela menina, enquanto o sujeito, na plateia, se remexe de forma sutil. Há algum incômodo ali e a gente, como espectador, parece que sabe. Que já entendeu. E é exatamente isso que torna a experiência com a obra de Wells tão mágica. Não serão necessários grandes eventos, acontecimentos épicos. Onde parece não haver muito, ocorre tudo. Afinal, o que acompanhamos é apenas Sophie e Calum vivendo um final de semana juntos, no final dos anos 90 - e, aqui, vale ressaltar o desenho de produção caprichado, a fotografia levemente saturada e trilha sonora de nomes como Blur, All Saints e até Chumbawamba. No hotel, em meio a banhos de piscina, jogos de sinuca com adolescentes, fliperama, observação de balões no céu, Macarena e outras amenidades, a dupla ensaiará um descanso, mesmo que a calmaria pareça pronta a ser rompida a qualquer momento.



Com paciência, Wells constroi uma narrativa afetuosa e emocionalmente febril, sem ter nenhuma pressa em apresentar seu argumento. Refletir sobre memória, perda, tensões emocionais e a saudade que fica - de pessoas, de lugares, de eventos -, requer sensibilidade e a diretora é hábil ao utilizar um grande número de instantes capturados com uma câmera caseira e que servirão para essa espécie de transição entre o mundo real e o onírico, o concreto e o abstrato. Pense, por exemplo, naquela lembrança da juventude, uma experiência qualquer e observe como ela virá à mente de forma fragmentada, menos clara do que percebíamos então. É mais ou menos como retornar a um livro que já havíamos lido na adolescência. O quanto não percebemos a mais? Adulta, Sophie recorre a essas mesma fitas gravadas como uma forma de relembrar aquele instante de um mero fim de semana. Mas um fim de semana com mais camadas para além da superfície. Ocorrências que passam despercebidas, assim como um choro escondido em um canto.

Econômico em sua interpretação, Mescal alterna momentos de euforia - como quando convida Sophie para dançar ou para praticar uma espécie de ginástica naturalista - com outros mais contemplativos, como no episódio em que ele apenas sorri ao ouvir da própria filha sobre a sua incapacidade de pagar por algo que ele acabara de ofertar. Essas nuances de comportamento, indo de lá pra cá muitas vezes no mesmo quadro (ou até fora dele, como no instante em que vemos o reflexo da dupla na televisão, com a câmera desligada) impressionam por nos atingir justamente no nosso íntimo. Afinal, nós somos muitas vezes mais do que aquilo que externamos. A alegria sorridente pode eventualmente ser a fachada de um interior escuro. Na juventude, interessada nos meninos, no primeiro beijo, na falta de compromisso natural do pós-infância, talvez Sophie não percebesse isso tão claramente. Talvez não notasse a vibe diferente que havia entre ela e o pai. Mais tarde, já amadurecida, já vivida, com mais experiência ela compreenderá que talvez as férias não possam verdadeiramente ser pra sempre. E que, em algum momento ao final daquele dia de celebração, talvez a realidade nos seja dura demais. É forte. É reflexivo. E é muito, mas muito bonito.

Nota: 9,0


Nenhum comentário:

Postar um comentário