terça-feira, 21 de junho de 2022

Novidades em Streaming - Fruto da Memória (Mila)

De: Christos Nikou. Com Aris Servetalis e Sofia Georgovassili. Drama / Comédia, Grécia / Eslovênia / Polônia, 2021, 91 minutos.

A premissa de Fruto da Memória (Mila) - que está disponível para aluguel na Amazon e na Apple TV - é curiosa e atual: em meio a uma espécie de pandemia mundial que causa amnésia repentina na população, uma empresa de tecnologia desenvolve um sistema que visa a construir novas memórias em seus pacientes. Nesse contexto acompanhamos o taciturno Aris (Aris Servetalis), um homem de meia idade que se locomove pela cidade de forma silenciosa, se alimentando persistentemente de maçãs. Enquanto o mundo padece desse novo mal, que faz com que as pessoas abandonem seus carros em meio a rua sem saber exatamente o que estão fazendo, Aris vai mantendo uma rotina melancólica, com o espectador tendo poucas informações a seu respeito. Um certo dia, em uma viagem de ônibus, Aris vai até o final da linha sendo despertado de um sono profundo pelo motorista: ele não lembra mais de nada. Não há um parente que lhe reivindique. Um irmão, filhos, os pais. 

O protagonista resolve então ir até a clínica com a intenção de entrar no programa de recuperação. No local, ele recebe instruções em fitas cassete - aliás, dado o desenho de produção e a ausência de equipamentos mais modernos, a trama parece se situar nos anos 80 -, estimulando-o para atividades prosaicas como andar de bicicleta, ir ao cinema, a algum bar ou festa, namorar, transar. A comunicação é bastante básica, devendo o sujeito registrar (por meio de fotografias feitas em uma polaroid) todas as metas que ele alcança na busca de ser esse "novo sujeito". A estranheza é meio geral, tudo parece meio robótico, frio. Tal qual a existência em tempos atuais - onde a formação de novas memórias se dá por meio de selfies egocêntricas de tudo e de todos, mesmo das ações mais estúpidas -, a vida com esse componente digital parece meio desprovida de um significado mais profundo. De um sentido qualquer.

E talvez aí esteja a chave para que compreendamos o que pretende o diretor Christos Nikou com essa obra: ao olhar para o passado, ele analisa o vazio do presente, a mesquinharia dos atos, dos gestos. É claro que não é assim tão simples, já que claramente há mais camadas por baixo: Aris guarda alguns segredos, entre eles o que envolve uma dolorosa perda. E ter de lidar com o luto e a necessidade de desapegar e de seguir em frente, como se nada houvesse acontecido, pode ter a ver com a forma como a narrativa é conduzida. E até mesmo de como o protagonista se comporta. Há uma cena bastante expositiva em que Aris está comprando as suas maçãs, quando é alertado pelo dono do mercado de que "é muito bom comer maçãs porque elas fazem bem a memória". Imediatamente o homem substitui as maçãs por laranjas, afinal, quais memórias ele efetivamente quer guardar? Ou suprimir? O que deve ficar para trás ou ressurgir?

É um universo complexo, que emula desde o cinema alegórico de Charlie Kaufman, até clássicos sobre "novos mundos" como O Show de Truman (1998). Tendo recebido ótimas críticas no Festival de Veneza, o filme foi o selecionado da Grécia na mais recente edição do Oscar - e, ainda que não tenha chegado entre os finalistas, fez relativo burburinho na temporada. Ainda assim, talvez não seja uma obra para todos os paladares, já que se trata de uma experiência cheia de sutilezas, de ambiguidades e de informações que estão por baixo da fachada de normalidade que parece evocar de Aris. Em entrevistas de divulgação Nikou mencionou a facilidade com que as pessoas esquecem facilmente as coisas que lhes causam dor. "E isso que somos apenas uma coleção de memórias, de coisas que não esquecemos". Freud teria dito que a "cura não vem do esquecer. Vem do lembrar sem sentir dor". A frase, de alguma forma, resume aquilo que acompanhamos em Fruto da Memória. E o simples pensar sobre tudo isso, faz a jornada valer a pena.

Nota: 8,5

 

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