segunda-feira, 20 de junho de 2022

Cinema - Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All At Once)

De: Daniel Kwan e Daniel Scheinert. Com Michelle Yeoh, Jamie Lee Curtis, Stephanie Hsu e Ke Huy Quan. Comédia / Fantasia / Ficção Científica, EUA, 2022, 140 minutos.

E se fôssemos mais gentis? Mais amáveis? E se fôssemos mais afetuosos, mais amistosos, mais compreensivos? E se levássemos a vida com mais leveza, com mais graça? E se o mundo fosse um lugar melhor? E se tivéssemos decidido por isso e não por aquilo? Tomado este e não aquele caminho? E se? Quem nunca se pegou pensando em como seria se houvéssemos agido diferente em determinada circunstância? Uma escolha que suprimiu outra. Uma tomada de decisão que deixou algo pelo caminho. Vim pra cá e não fui pra lá. Relacionamentos, trabalho, estudos. O que comi, o que bebi. O show que fui, a viagem que curti. O cinema, os livros, as artes. O que forma a nossa bagagem. Como socializamos. Com quem vivemos, transamos, dividimos a vida - ou uma taça de vinho. Há algum sentido nisso tudo? Naquilo que fizemos meio que no piloto automático cotidianamente? Estamos sozinhos? Não? O que diz a ciência? E a religião? As decisões políticas?

São muitas as perguntas. E poucas as respostas oferecidas por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (Everything Everywhere All At Once). Mas o objetivo na obra dirigida pelos Daniels - Kwan e Scheinert que, anteriormente, haviam feito o horroroso Um Cadáver Para Sobreviver (2016) -, não é necessariamente esclarecer. E sim oferecer uma experiência em que, sob a desculpa da existência de um multiverso em que cada decisão tomada forma uma nova ramificação em nossos destinos, possamos refletir sobre tudo isso. Sobre esse conjunto de aspectos filosóficos, metafísicos, transcendentais. Ao cabo, a obra pode parecer complexa em uma primeiro olhar - ainda que ali pelas tantas ela pareça apenas brincar com o conceito de realidades paralelas. Se elas existem, de fato, muito provavelmente funcionam como um grande diagrama em formato ramificado em que no plano existencial podemos ser quem efetivamente somos, ao passo em que em outros seremos outras personas, dotadas de outras habilidades, outras competências, outras escolhas e vidas.



E é justamente esse o caso da protagonista Evelyn Wang (Michelle Yeoh), uma proprietária de lavanderia da Califórnia, que se vê enredada em meio a papelada que deve ser entregue para que seja regularizada a situação do empreendimento junto à Receita Federal. Em um casamento que já está mais pra lá do que pra cá - com o permanentemente amável marido Waymond (Ke Huy Quan) -, a protagonista está para receber uma visita do pai (James Hong), um daqueles idosos meio conservadores, tendo ainda de lidar com a filha temperamental Joy (Stephanie Hsu) que trouxe, para desgosto da amargurada mãe, a sua namorada Becky (Tallie Medel). No momento da auditoria com a burocrata Deirdre (Jamie Lee Curtis), Evelyn fica a ponto de explodir, surgindo em sua vida uma espécie de Waymond do multiverso, para lhe alertar que ela será a chave para que a realidade em que todos estão seja salva, já que alguém dessa realidade alternativa parece disposto a embaralhar tudo, gerando o caos.

Parece complicado. E é. Mas também é extremamente divertido, anárquico, filosófico, existencialista. Sendo uma espécie de "pior versão de si própria" Evelyn deverá utilizar as habilidades das outras milhares dela mesma - que podem  ser desde uma atriz que estrela filmes de artes marciais, passando por uma chef de cozinha, até uma cantora de ópera -, para tentar restabelecer algum tipo de ordem. Enquanto a narrativa avança, com seu roteiro imprevisível, somos brindados com um sem fim de colagens, imagens em animação, sequências surrealistas e outras trucagens que, adicionadas a uma vigorosa trilha sonora e a uma fotografia riquíssima, convertem este em um projeto tecnicamente impecável (e desde já dá pra afirmar que se Paul Rogers não for nominado ao Oscar na categoria Edição, esta será uma das maiores injustiças da temporada). Definir Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo não é tarefa fácil. É uma mistura de sentimentos poucas vezes vista e, seguramente, ninguém sai da sessão da mesma forma. É um tipo de expansão contínua, criativa e quase infindável, como se estivéssemos em uma versão estendida de um filme do Michel Gondry. O que faz valer cada segundo.

Nota: 9,5


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