terça-feira, 28 de junho de 2022

Novidades em Streaming - A Colmeia (Zgjoi)

De: Blerta Basholli. Com Yllka Gashi, Adriana Matoshi e Adam Karaga. Drama, Kosovo / Macedônia / Suiça, 2021, 84 minutos.

A Colmeia (Zgjoi) é mais um daqueles filmes que tem a guerra como pano de fundo, mas que não é sobre quem está (ou esteve) no combate e sim a respeito de quem fica. Mais especificamente sobre quem fica enquanto, desesperadamente, aguarda alguma notícia daqueles que foram, ao passo que tenta juntar os cacos para tocar a vida. A protagonista aqui é Fahrije (Yllka Gashi), uma apicultora de uma aldeia do Kosovo - País que foi bombardeado pela Sérvia em 1999, deixando dezenas de mortos e outros tantos feridos -, que convive ao mesmo tempo com a incerteza sobre o paradeiro de seu marido, que pode ter morrido no conflito, e com necessidade urgente de sustentar sua família, composta por dois filhos e o sogro cadeirante. A pequena renda vem da comercialização de mel com o reforço orçamentário podendo surgir a partir de uma ação cooperativa com outras mulheres que, juntas, passam a produzir uma espécie de antepasto de pimentão (conhecido como ajvar).

Só que para a comunidade local existe um problema nessa "independência" toda: onde já se viu, afinal, mulheres agirem de forma autônoma, tomando decisões, participando do mercado de trabalho, se agrupando de forma associativa, negociando, dirigindo, interagindo, num processo autossuficiente que deixa a vida de casada (agora viúva, vamos combinar) para trás? Como assim, em uma sociedade tão patriarcal, tão pautada pelas decisões de homens - e a mesmo tempo tão conservadora, tão misógina -, as mulheres poderiam ter esse grau de emancipação? Nesse sentido, não bastasse o sofrimento decorrente da falta de notícias sobre o paradeiro de seu marido, Fahrije e as demais mulheres ainda precisam lidar com a hostilidade dos moradores da região, insatisfeitos com esse comportamento tão livre. Os idosos da aldeia, mesmo outras mulheres, para estes o lugar delas é cuidando de casa, da família, em processo de apagamento e abnegação. E não participando da vida em sociedade.



De alguma forma, mais uma vez pode-se afirmar que esta é uma experiência sobre a importância da sororidade - e do apoio entre si, em um contexto tão machista. Permeado por simbolismos - a estrutura de uma colmeia, suas abelhas persistentemente organizadas e voluntariosas chega a ser quase óbvia -, o filme é sutil na abordagem do incômodo provocado por mulheres que apenas buscavam se consolar, ao mesmo tempo em que reuniam algum tipo de força para seguir em frente. Um bom exemplo desse diálogo com o espectador a respeito da importância dos temas que discute, envolve uma sequência em que o grupo está reunido e, em meio ao trabalho, se anima para uma espécie de dança coletiva, que dá conta da conexão e do senso de propósito delas. E isto justamente após o grupo ter sofrido um duro ataque - com a destruição de parte da produção na sede da associação improvisada.

Enviado do Kosovo para a edição do Oscar desse ano - chegou a ficar na pré-lista de 15 produções, não se classificando para a final - e premiado em Sundance, o filme, baseado em fatos reais, ainda evidencia as violências cotidianas, que emergem das frestas até mesmo de onde talvez não se esperasse (como no caso da tentativa de estupro com que Fahrije precisa lidar e que envolve o seu fornecedor de pimentões). Trata-se por fim de uma experiência dura, resignada, silenciosa, quase estoica em alguns instantes, que analisa o absurdo do comportamento reacionário, enquanto gruda a câmera em suas protagonistas - mulheres fortes, persistentes e que apelam a uma rebeldia sem qualquer tipo de belicismo e que vai, aos poucos, servindo para cavar espaços. É bastante tocante. E vale ser visto. Tá disponível na HBO Max.

Nota: 8,5


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