quarta-feira, 1 de junho de 2022

Cinemúsica - Ases Indomáveis (Top Gun)

De: Tony Scott. Com Tom Cruise, Val Kilmer, Kelly McGillis e Anthony Edwards. Aventura / Romance, EUA, 1986, 109 minutos.

Um bando de homens musculosos, permanentemente suados, jogando vôlei sem camisa, dividindo vestiários e dando longos abraços "héteros" em clima de broderagem. Tudo em meio a manobras aéreas arriscadas em um treinamento da Marinha dos Estados Unidos. Sim, pode até parecer um soft pornô gay - aliás, a energia homoerótica da obra é forte -, mas é apenas o clássico Ases Indomáveis (Top Gun), que resolvi revisitar pra poder conferir a releitura, que está em cartaz nos cinemas. Aliás, Top Gun: Maverick (2022) tem recebido muitos elogios do público e da crítica com bilheterias exorbitantes, o que significa que, nesse caso, o reboot pode ter efeito positivo. Sim, porque vamos combinar que a obra dirigida por Tony Scott envelheceu inacreditavelmente mal. Trata-se de uma experiência brega, meio que no limite do mal gosto, que glorifica a guerra e ainda apela o tempo todo para uma certa toxicidade masculina. Parece, inclusive, um produto completamente deslocado de seu tempo, restando apenas um fiapo de nostalgia.

E boa parte desse sentimento brota justamente quando entra em cena o relacionamento de Pete Maverick Mitchell (Tom Cruise) com a astrofísica Charlotte Blackwood (Kelly McGillis) que é instrutora do curso Top Gun na Navy Fighter Weapons School. A cada insinuação que envolve o romance, seja nas tentativas de cortejo meio tortas do protagonista ou nas respostas atravessadas de Charlotte, temos um banho açucarado nas notas kitsch de Take My Breath Away, da banda Berlin. Aliás, a cena em que a dupla consuma o ato pela primeira vez, mais parece uma daquelas paródias que se vê em esquetes de comédia - com o casal agindo de forma absurdamente lenta, em meio a conjunto de luzes meio cafonas, cortinas esvoaçantes, enquanto rola a trilha. Independente disso tudo, para a história ficou o Oscar de Melhor Canção Original para a balada, que certamente foi fundamental para que esta fosse uma das trilhas sonoras mais vendidas de todos os tempos.



É claro que outras canções contribuíram para o sucesso - casos de Danger Zone e Playing With the Boys de Kenny Loggins ou mesmo Great Balls of Fire, de Jerry Lee Lewis (que é citada de passagem no decorrer da narrativa e seria inclusa em uma edição especial do disco com cinco faixas bônus, que chegaria ao mercado em 1999). Mas o tour de force melodramático do Berlin, com sua melodia insidiosamente kitsch e letrinha cafonérrima (Através da ampulheta eu vi você / No momento em que você escapou) alçaram não apenas o filme, mas o próprio coletivo a um inesperado estrelato tardio. No livro Música Pop no Cinema, do falecido jornalista Rodrigo Rodrigues, o vocalista Terri Nunn lembra o fato de o grupo já estar há 13 anos na estrada. "Na época fomos abordados pelo produtor Giorgio Moroder (quem mais?) , que disse que tinha uma grande balada que seria o som do verão e que tínhamos que gravar". "Não era o nosso tipo de som, mas topei na hora", recorda.

Para além da trilha sonora, na trama acompanhamos o jovem Maverick, um piloto que ingressa na Academia Aérea na intenção de se tornar piloto de caça. Intempestivo, ousado, meio inconsequente até, o personagem se apresentará como uma figura controversa, que desafia Charlotte, que é sua superiora, ao mesmo tempo em que se arrisca, desnecessariamente, em manobras perigosíssimas (para alegria dos cinéfilos que apreciam sequências envolvendo aviões zunindo e perseguições aéreas). Após um episódio traumático durante o treinamento, o sujeito precisará provar o seu valor - o que ele fará, evidentemente (e no caminho não faltarão bandeiras norte-americanas tremulando, uniformes em tons camuflados, discursos edificantes e suor, muito suor). É o filme que acerta em cheio o coraçãozinho do cidadão héterotop, que veste sua jaqueta de couro, que monta na sua Harley Davidson e que acredita, ao final do dia, que toda a experiência com o cinema na atualidade, funciona na base da lacração, do globalismo e da subversão de valores. E que talvez nem ache assim tão curioso jogar vôlei sem camisa e de calça jeans. Com gestos afetadíssimos. Ao som de Playing With the Boys. Na real os sinais estavam todos lá. Muitos não perceberam. E a trilha sonora era só um detalhe.


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