segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Novidades em DVD - Ave, César! (Hail, Caesar!)

Subversão de gêneros, humor nonsense, alguma dose de realismo fantástico e construção de personagens excêntricos e despidos de qualquer tipo de vaidade. Na vasta filmografia dos Irmãos Coen não é difícil relacionar os elementos que caracterizam o seu cinema. Em Ave, César! (Hail, Caesar!) há uma pitada de cada uma dessas particularidades, somando-se ainda a outro tema caríssimo a dupla de realizadores: a metalinguagem (ou a pura e simples homenagem ao cinema). Joel e Ethan Coen são, claramente, apaixonados pela sétima arte. Assim, utilizam seus filmes não apenas para divertir as plateias a partir de suas improváveis sátiras. Mas também para eles mesmos se regozijarem com aquilo que sabem fazer como poucos - e quem já assistiu a clássicos modernos, como, Fargo (1996), O Grande Lebowsi (1998), E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? (2000) e Onde os Fracos Não Tem Vez (2007) sabe do que estamos falando.

Em Ave, César! os Irmãos homenageiam a Era de Ouro do cinema, deslocando a trama para a Hollywood dos anos 50. É lá que vive Edward Mannix (Josh Brolin), produtor responsável não apenas pela carreira profissional dos artistas da Capitol Pictures, onde trabalha, mas também por suas vidas particulares, imagem pessoal, ou mesmo relacionamento com a imprensa e com o público. Um dia na vida de Mannix é trafegar por estúdios onde são realizados épicos bíblicos, filmes de faroeste ou musicais variados. É estar em contato com diretores exigentes, atores problemáticos, astros canastrões, empresários chiliquentos e colunistas de cinema ávidos pelas mais recentes fofocas. E, nesse ecossistema, tudo vai mais ou menos bem na vida do produtor até o dia em que uma de suas principais estrelas, o ator Baird Whitlock (George Clooney) é sequestrado por um grupo de escritores comunistas.


Sim, ainda que em um contexto meio desviado, há espaço para o debate político-ideológico em Ave, César! E não poderia ser diferente, já que a paranoia anticomunista pós Segunda Guerra Mundial (também) é alvo da sátira dos Irmãos, que transformam os sequestradores em um exótico grupo (de estudos), que se apropria de referenciais históricos até na hora de dar o nome para o cachorro - "quieto Engels", brada um dos integrantes, em dado momento. Como não poderia deixar de ser, o temor religioso também está na mira dos Coen. E se, em certo momento, assistimos Mannix ir ao confessionário para dizer que cometeu o terrível pecado de fumar, em outra sequência presenciamos um hilário debate entre um pastor, um rabino, um reverendo e um padre que discutem com o produtor a abordagem dos filmes produzidos pela indústria e se eles estão de acordo com o que pregam os seus dogmas. Sendo que eles são incapazes de se entender entre si.

Mas mais do que debater religião ou política, Ave, César! parece muito mais interessado em revirar as nossas memórias cinéfilas. Funcionando como se fosse uma verdadeira colcha de retalhos da Hollywood daquele período, somos levados, aqui e ali, a uma série de sequências que mais parecem esquetes nostálgicas, multicoloridas e curtas relativas a um período que não volta mais. Assim, quando assistimos a Burt Garney (personagem de Channing Tatum) em uma apresentação musical e de sapateado inacreditavelmente engraçada e com coreografia que nos remete à obras de Gene Kelly ou Fred Astaire, ou apreciamos Hobie Doyle (o ótimo Alden Ehrenreich) entoando a sua viola à moda Shane de Os Brutos Também Amam (1953) sob um céu de Cinemascope, tudo o que temos são as nossas vísceras fanáticas pela invenção dos Irmãos Lumiére invadidas - no melhor sentido da observação.


E, vamos combinar, este fato por si só, já seria suficiente para que este filme, que passou praticamente batido pelas salas de cinema, receba o merecido reconhecimento, agora que foi lançado em DVD. Só que a obra ainda tem outros méritos, como a belíssima fotografia de Roger Deakins e o elenco absolutamente estelar - além dos já citados, Ralph Fiennes, Scarlett Johansson, Christopher Lambert, Tilda Swinton, Frances McDormand e Jonah Hill interpretam papeis que podem até ter poucos minutos (ou segundos) em cena, mas que contribuem para a construção da história e do contexto pretendido pelos Coen. Experimente não rir na cena em que o diretor Laurence Laurentz (Fiennes) passa instruções de uma cena (e de sua importante fala) para Doyle. Se você já está acostumado com a linguagem utilizada pelos Irmãos, pode ir sem medo que certamente será mais uma ótima sessão. Para quem ainda não está familiarizado, bom, o filme pode ser uma boa porta de entrada.

Nota: 8,0

2 comentários:

  1. Pois é. Achei estranho que tenha passado em branco. É uma delícia. Lembra bastante, inclusive pelo Clooney, "E aí, meu irmão, cadê voce?" o que, de minha parte, é mais um elogio aos Cohen. Adoro.

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    1. Verdade, Rô. Mas já havia ocorrido algo semelhante com o filme anterior dos Coen, o Inside Llewyn Davis. Mais um filme bacana que passou completamente batido.

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