quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Pérolas do Netflix - Minhas Tardes com Margueritte

De: Jean Becker. Com Gérard Depardieu, Gisèle Casadeus, Jean-François Stévenin e Claire Maurer. Comédia dramática, França, 2010, 82 minutos.

Essas pequenas pérolas que temos sugeridos a vocês, queridos leitores do Picanha, têm servido para comprovar a tese de que um filme, para ser bom, não necessita de efeitos especiais extraordinários, cenários grandiosos, estrelas de Hollywood e reviravoltas impactantes. Bastam as boas histórias, que, ainda que simples, sejam capazes de nos tocar de alguma forma. Que tenham algum significado. Enfim, que sejam representativas dos valores que carregamos conosco. O caso do singelo Minhas Tardes com Margueritte (La Tête en Friche), do diretor Jean Becker, é exatamente este: um filme simples, pequeno, de orçamento modesto. Mas com uma trama admirável.

Gérard Depardieu é Germain, um cinquentão semianalfabeto que vive de bicos e de animados encontros com os amigos em um bar italiano. Quando criança, Germain era maltratado pela mãe problemática, que o tratava como um estorvo - "isso aí só come e dá prejuízo", diz ela em uma das cenas. Na escola não era diferente. Problemas de dislexia, aliados a obesidade infantil tornavam-no alvo fácil do bullying dos colegas, que não perdiam a oportunidade de rir de suas dificuldades. Resultado: Germain cresceu com um certo bloqueio intelectual. E que, atualmente, se reflete em grande dificuldade de ler e, principalmente, de compreender aquilo que é lido. Será o encontro com a Margueritte (a veteraníssima Gisèle Casadeus) do título - educada senhora de quase 100 anos de idade que, a despeito da fragilidade física, possui grande conhecimento das letras -, que começará a modificar esse cenário.


Após um primeiro contato em que ambos conversam amenidades sobre os pombos da praça, Margueritte resolve ler a ele um trecho de A Peste de Albert Camus - sem soar pedante, mas é um dos meus livros preferidos. O exercício mexe com a imaginação de Germain - sujeito desajeitado e com mais de 100 quilos, mas de grande coração - que passa a adotar as idas a praça para o encontro com a sua nova amiga, como uma espécie de segunda escola tardia. O aumento do interesse pelas letras e a consequente ampliação dos conhecimentos são sentidos por todos a sua volta - sendo absolutamente divertidas (e ao mesmo tempo tocantes) as cenas em que Germain apresenta certa melhora de vocabulário e mesmo de entendimento geral global sobre as coisas, em seu encontro com os amigos da "bodega".

A despeito de apresentar Germain como um sujeito ignorante do ponto de vista intelectual, o filme não deixa de prestar certa homenagem ao conhecimento empírico, existente nos mais variados meios. Germain não sabe ler e escrever. Mas produz em sua horta vegetais que fazem brilhar os olhos da pequena senhora, quando esta recebe do novo amigo uma cesta repleta de tomates, alfaces, alho-poró e rabanetes, cultivados pelo sujeito com carinho e de forma limpa - "uma terra fértil sempre dará de volta o seu melhor", filosofa. Quando o mesmo Germain presenteia Margueritte com uma bengala lixada, polida e envernizada pelo próprio vale a mesma lógica: o que significa o conhecimento? No caso do filme o que vale é a troca. E essa reflexão por si só já seria suficiente para essa pequena obra-prima valer a pena. Mas a película é muito mais. Com ótimas interpretações e elenco de apoio absolutamente valioso - sejam os animados amigos do miscigenado bar, seja a amorosa esposa de Germain, Anette (a apaixonante Sophie Guillemin), o filme, com o seu inesperado desfecho, é daqueles que nos faz refletir obre uma série de temas, seja ele o respeito as diferenças ou a importância de uma amizade. O que, definitivamente, não é pouco.


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