É possível analisar o novo disco do Grimes - nome artístico da cantora canadense Claire Boucher - a partir de dois pontos de vista distintos. Explico: quando a artista lançou seu primeiro registro, intitulado Geidi Primes - após algumas incursões bem-sucedidas na cena musical eletrônica underground - o que os ouvintes encontraram foi um álbum recheado de canções com emanações etéreas, barulhos espaciais e um clima onírico. Todo esse contexto pouco óbvio a distanciava de toda e qualquer incursão pelo pop mais acessível - ainda que a sua voz adocicada e pegajosa fosse um verdadeiro convite para esse modelo. Na época, canções como Caladan, Sardaukar Levenbrech e Gambang mais pareciam retiradas de dentro de um caldeirão capaz de misturar música medieval, industrial e o eletrônica, com uma passada pelo hip hop, até chegar ao noise rock.
Em geral, até o espetacular Visions, disco lançado no começo de 2012, não era uma artista lá muito fácil de ser ouvida. A forma com que a cantora intercalava elementos tão distintos talvez pudesse representar um desafio meio exagerado para ouvintes mais acostumados com outras bandas com meninas nos vocais e que pudessem ser mais facilmente digeridas - casos do Chvrches ou do Best Coast. Só que o Visions, é preciso que se diga, pareceu determinar uma espécie de mudança de estilo dentro de tudo aquilo que o Grimes tinha realizado até então - e canções como Genesis (uma das melhores músicas do planeta, por sinal) e Oblivion, ainda que carregassem nas enevoadas tintas siderais, quase eram capazes de soar tão facilmente audíveis como assim são os momentos mais comerciais de artistas tão variadas como Annie Lennox e Kate Bush. Enfim, o pop batia na porta.
Bom, e é nesse ponto que chegamos ao recém lançado Art Angels. Se antes a complexidade e o caráter hermético do material eram capazes de saltar aos olhos (ou aos ouvidos), agora, a artista parece ter descomplicado tudo ao entregar um registro que conduz o ouvinte para o que de mais divertido e colorido pode haver na música mais comercial. Canções como Realiti, California e Easily - a despeito das melancólicas letras - são tão diretas, com seus refrãos grudentos e ganchudos e sintetizadores bem marcados, que não fariam feio em algum disco da Madonna em início de carreira. Grimes se mudou para Los Angeles por um tempo, chegou a trabalhar com a Rihanna - no single Go, que ficou de fora do disco -, conheceu outras pessoas (produtores, cantores) ligadas ao seu meio. E se apropriou de tudo aquilo que absorveu para "afinar" seu som.
O som ter se tornado mais acessível não quer dizer, de maneira alguma, que ele ficou pior - e aqui a gente já entra no debate proposto lá no início dessa resenha. A cantora mantém o clima sacro (laughing and being normal), dialoga com o hip hop, a música urbana e o dancehall (na vibrante SCREAM, parceria com Aristophanes) e brinca com tudo aquilo que caracteriza o synthpop oitentista (Kill V. Maim). Mas a sua música está limpa, sem aquele verniz exageradamente empoeirado de outrora, que poderia tornar a audição mais truncada. Mas tudo isso sem perder a sua característica - e capa surrealista, feita pela própria artista, não deixa de ser uma prova disso. Melhor ou pior, cabe a quem ouvir a decisão. Por aqui a gente encara esse contexto como um processo evolutivo natural de uma cantora que entrega um dos trabalhos mais legais do ano.
Nota: 8,3
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