quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Espaço do Leitor - Filme (Garota Exemplar)

Acho que vamos mudar o nome desse quadro para Coluna da Rosane ou algo com algum outro título tão criativo quanto este! Bom, o fato é que a professora e querida amiga Rosane Cardoso mandou mais um daqueles textos absolutamente f**** (dá pra falar palavrão?) para o quadro Espaço do Leitor, que sempre dão um ganho de qualidade no nosso Picanha velho de guerra. Dessa vez ela falou de um filmaço, no caso o ótimo Garota Exemplar, lançado no ano passado - aquele com a Rosamund Pike surtada -, comparando-o com outro filme mais antigo de Hollywood, que possui alguma semelhança em seu roteiro. Boa leitura!

Garoto, amar foi tua ruína...


Muito se falou no excelente Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), dirigido por David Fincher e escrito por Gillian Flynn. O filme não deixa pedra sobre pedra: discute o alvoroço da mídia, a hipocrisia social e, sobretudo, avança sem dó nem piedade para dentro da casa, seja entre as quatro paredes de um casamento, seja nas controladas relações familiares. De fato, não saberia dizer onde residem mais não ditos. Os pais, entre falas mansas e taças de champanhe, exploram a imagem que criaram da filha. A filha, por sua vez, ataca ao marido, na sua frustração diante do cotidiano e de um casamento que a decepciona. Em sua vingança, ela assume a apatia que sente em relação a todos e destrói o que pode em seu caminho. Ainda que, ao final, siga aprisionada no casamento medíocre, seu marido é a vítima maior e, pior de tudo, ciente do poder de destruição da “patroa”. Rosamund Pike, por sua vez, consegue mostrar a que veio, saindo do limbo das belas loiras coadjuvantes de Hollywood que ninguém sabe muito bem o nome.

No entanto, o que mais me chamou a atenção no filme, foi a semelhança com Amar foi minha ruína (Leave her to heaven), de 1945, dirigido John M. Stahl, e estrelado pela belíssima Genne Tierney e o pouco expressivo Cornel Wilde. Como o filme de Fincher, também nasceu de um livro homônimo. A película tem uma aura noir, embora, em alguns momentos, se perca no dramalhão. Mas é uma delícia.




 Helen Berent, a protagonista, é a típica femme fatale, mas com um tempero a mais. Misteriosa, obcecada pelo pai já falecido, encontra o amor de sua vida no escritor interpretado por Wilde. Na trama, a presença do ex-noivo, personagem de Vincent Price, é uma força decisiva para o desenrolar do filme. Mas o que interessa aqui não é contar o enredo, mas pensar na riqueza com que esta mulher é construída. Incapaz de pensar além de si, o ciúme a corrói, deixando um rastro de crimes hediondos por onde ela passa.

Édipo, Hamlet, Medeia, Fedra são alguns dos personagens clássicos que perfilam a protagonista. Como em Garota exemplar, o silêncio da família joga o marido na cilada amorosa sem retorno. Claro que, sendo um drama dos anos de 1940, tudo dá certo no final. Mas a gente esquece com facilidade do novo e feliz casal. É a imagem de Tierney que permanece, com o seu olhar gélido e implacável.
Enredo recheado de Shakespeare, o título do filme em inglês, Leave her to heaven, é uma referência a uma conversa entre Hamlet e o fantasma de seu pai, que pede ao filho que não se vingue da mãe traidora, pois o céu irá julgá-la. Em minha opinião, no caso de Helen Berent, não creio que o Céu tenha coragem para tanto.

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