quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Novidades em DVD - Que Horas Ela Volta?

De: Anna Muylaert. Com Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas, Karine Teles e Lourenço Mutarelli. Drama, Brasil, 2015, 111 minutos.

Existe uma frase, dita pela designer de moda Barbara, personagem vivida pela atriz Karine Telles, que resume de maneira não menos do que perfeita a reflexão proposta pelo enredo do espetacular Que Horas Ela Volta?, que agora chega em DVD: tá vendo, o País tá mudando mesmo. A afirmação feita ao marido Carlos (Lourenço Mutarelli) ocorre durante um jantar da família que reside no luxuoso bairro do Morumbi, em São Paulo, quando Barbara descobre que a filha de sua empregada doméstica está vindo para a capital para prestar o vestibular de arquitetura. A empregada doméstica em questão é Val (Regina Casé), que saiu do nordeste há cerca de 15 anos deixando para trás a família - e a própria filha - com o objetivo de tentar a sorte em uma cidade grande. Realidade esta que foi a de muitos brasileiros a até pouco tempo atrás, com índices de inflação e desemprego acachapantes, isso sem falar na pobreza extrema.

Talvez seja essa dura realidade deixada para trás, que faça Val ter a impressão de que, sim, ela talvez tenha vencido. De que ela conquistou aquilo que queria. Que conseguiu um bom emprego, um bom teto e dinheiro suficiente para o envio de certa quantia a filha, que permaneceu em sua terra natal. Val trabalha há mais de dez anos na casa de Barbara - ou dona Barbara ou senhora, como a empregada educadamente a chama, a cada troca de palavras. Tem o seu quartinho, lááá no fundão da enorme mansão, com ventilador barulhento e janelinha que dá pra área de serviço. Mas, no fim das contas, tem os patrões "bondosos" que, como senhores de engenho modernos, lhes conferem casa e comida em troca de incansáveis 12 a 16 horas diárias de louça lavada, chão varrido, grama "aguada", comida feita e educação para os filhos dos patrões. Um acordo tácito em que, claramente, apenas um lado se beneficia. É assim que Val aprendeu como são as coisas.


Eu moro no serviço! Sim, eu moro no serviço! tenta se explicar uma Val angustiada, quando a filha percebe que a mãe não tem sequer casa e que vive na dependência da rica família que lhe emprega. Mas você não tinha dito que era praticamente como alguém da família? rebate a menina, quando se dá conta do local destinado ao repouso da mãe - espaço pequeno, quente, insalubre. Situação que se torna ainda mais impactante quando Jéssica descobre, dentro da mansão, um luxuoso quarto de "hóspedes" com quase 50m². Um quarto desocupado, que só é habitado quando alguma eventual visita aparece. Algo que não parece ser muito frequente. Vale a mesma lógica pra piscina, pra mesa de jantar. Val é da família. Desde que não invada o espaço desta.

Já Jéssica acha tudo isso muito estranho: é curiosa (como ela mesma se define), sabedora de seus direitos e capaz de refletir e inferir sobre os mais variados assuntos, sejam eles as artes, a história ou mesmo a política. Aparentemente com muito esforço pessoal, já que ela passa longe da meritocracia capaz de encaminhar com muito mais tranquilidade os filhos dos mais abastados - que se decepcionam quando estes não são aprovados no vestibular. Enfim, Jéssica é alguém que pensa. Que sabe. Que não é alienada. Que não aceita a condição imposta a Val - como ela a chama durante toda a exibição. E esse comportamento seguro de si e até mesmo transgressor - ao menos diante do cenário de sutil dominação vivido pela mãe - é que gerará o conflito dessa muito bem engendrada obra.

Ao utilizar como cenário o microcosmo de uma família rica que, dadas algumas circunstâncias, passa a ter de conviver de maneira meio forçada com pessoas de classes menos abastadas, Anna Muylaert - dos igualmente notáveis Durval Discos e É Proibido Fumar - realiza um verdadeiro tratado sobre esses "novos tempos" que o País aparentemente vive. Tempos em que os extratos mais humildes podem comer melhor, ter mais educação e acesso a saúde, adquirir bens materiais, casas, carros, andar de avião, frequentar restaurantes e... prestar vestibular de arquitetura em uma faculdade com maior exigência. Hoje é possível pensar para um pouco mais além daquela vidinha de quem já nasce sabendo o que pode e o que não pode - como explica Val a sua filha em outro momento emblemático dessa grande película. Ainda que nem tudo seja um mar de rosas, efetivamente. Com todo o elenco empenhado em entregar um trabalho magistral - com destaque para a tocante interpretação de Regina Casé -, Que Horas Ela Volta? é daqueles filmes que certamente gerará calorosos debates - fazendo com que reflitamos, inclusive, sobre o nosso comportamento no dia a dia. As reais possibilidades para o Oscar 2016 talvez comprovem que as mudanças também possam ter chegado ao nosso cinema.

Nota: 10



Nenhum comentário:

Postar um comentário