De: Claude Chabrol. Com Sandrine Bonnaire, Isabelle Hupert, Jacqueline Bisset e Jean-Pierre Cassell. Suspense / Drama, Alemanha / França, 1995, 112 minutos.
[ATENÇÃO: TEXTO COM SPOILERS]
Houve uma vez, durante uma entrevista ao famoso crítico de cinema Roger Ebert, que Claude Chabrol afirmou: "sou um comunista, mas isso não significa que eu tenha que fazer filmes sobre a colheita do trigo". Talvez, em uma interpretação meio livre, o que o diretor quisesse dizer é que, para se fazer um filme político ou mais panfletário, que marque seu ponto (ou ideologia), não há a necessidade de ser tão explícito. Até mesmo porque a sutileza pode contribuir para que o debate seja fortalecido. Sim, filmes sobre greves de trabalhadores por condições mais justas ou sobre proletários sofrendo nas mãos de patrões certamente escancaram os ideias de quem os faz. Mas e que tal uma obra sobre uma empregada doméstica que, revoltada pelas sistemáticas humilhações que sofre de uma família burguesa, resolve se unir a uma amiga funcionária dos correios para dar cabo desses ricos afetados?
E, mais do que isso, que tal se colocássemos nessa equação uma dupla de atrizes cheias de personalidade - no caso, Sandrine Bonnaire e Isabelle Huppert -, e ainda envolvêssemos a produção em uma aura de mistério à moda Hitchcock (que é algo que Chabrol sempre fez muito bem), com acontecimentos excêntricos se espalhando pela narrativa? Sim, enquanto a personagem da Regina Casé no ótimo Que Horas Ela Volta? (2015) simboliza a vitória do proletariado com uma arrojada entrada na piscina dos patrões (o que ela era impedida, mesmo sendo parte da "família"), em Mulheres Diabólicas (La Cérémonie), temos as protagonistas meio que ficando de saco cheio, invadindo a casa dos burgueses torpes que haviam recém demitido a diarista Sophie (Bonnaire) para, enquanto eles apreciavam uma ópera enfadonha de Mozart, sacarem suas armas e meterem bala. Extremo? Sim. Simbólico? Bastante.
Ok, por mais que não seja possível celebrar uma vitória plena na conclusão desse clássico moderno que completa 30 anos - baseado no livro de Ruth Rendell e que pode ser conferido na Reserva Imovision - há que se comemorar o espírito catártico, quase anárquico do desfecho, que junta um clima meio Laranja Mecânica (1971) com Violência Gratuita (1997). Chabrol sempre afirmou ser um sujeito fascinado por "assassinos sorridentes" e aqui essa parte da gargalhada entortada, em que a gente ri mas mais de nervoso do que qualquer outra coisa, cabe à debochada Jeanne, vivida com entusiasmo por Huppert. É ela que parece arquitetar, em suas entranhas, algum tipo de plano macabro que possa compensar Sophie das seguidas humilhações sofridas por ela, vinda de uma família de quatro pessoas (pais com dois filhos), com seu casarão onipresente, de jardim largo. E por mais atenciosa e estranhamente sorridente que a patroa, a afetada dona de uma galeria de arte chamada Catherine (a sempre bela Jacqueline Bisset) seja, parece haver algo muito errado no fato de ela nunca conseguir manter uma diarista.
Claro que Sophie também tem os seus segredos. Em um mundo em que nem o mais favorável espírito meritocrático a salva do analfabetismo - o que ela esconde com receio e vergonha e que também dá conta das desigualdades vividas naquele cenário -, a jovem se mantém silenciosa e reservada, enquanto prepara os pratos cheios de proteína para aquela família que só tem dinheiro e mais nada. Mesquinha, Catherine sequer parece perceber o absurdo de apontar onde fica o quartinho da empregada, ao passo que seu marido mais ou menos truculento Georges (Jean-Pierre Cassell) não vê problema algum em desferir um tapão no rosto de Jeanne, quando ele desconfia de que ela esteja abrindo suas correspondências. Esses abusos justificam a violência desmedida? Talvez não. Sophie e Jeanne tem uma série de esqueletos no armário e traumas passados, que revelam que elas também não são flor que se cheire - o que, por sinal, é ótimo em uma narrativa que evita o maniqueísmo. Ainda assim, o filme tem força por lembrar às elites a importância de não meter demais o louco. Porque o proletariado pode se revoltar. E aí as forças, no mínimo, vão se equilibrar.
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