quarta-feira, 28 de maio de 2025

Novidades em Streaming - Herege (Heretic)

De: Bryan Woods e Scott Beck. Com Hugh Grant, Sophie Thatcher e Chloe East. Suspense / Drama, Canadá / EUA, 2024, 111 minutos.

[ATENÇÃO: TEXTO COM ALGUNS SPOILERS]

"A verdadeira religião é o controle. Essas pessoas não querem a sua ajuda. Elas estão exatamente onde escolheram estar." A frase dita pelo recluso senhor Reed (Hugh Grant) à jovem irmã Paxton (Chloe East) no terço final do interessante Herege (Heretic) pode até parecer um pouco chocante. Mas não chega a surpreender. E, mais do que isso, em alguma medida parece condensar toda a ideia central da obra dirigida pela dupla Bryan Woods e Scott Beck. O resumo é mais ou menos esse: você pode ser desta ou daquela crença, mas talvez você seja mais facilmente manipulável se for um fanático indecoroso. As pessoas morrem por seitas. Também matam por elas. Por uma ideia que elas acreditam estar acima de tudo. De todos. Céu, inferno, dogmas e tudo o mais. Criadas pelo homem e para o homem. Reformuladas, repassadas adiante pela oratória, pelo texto, pelo verbo.

Vi algumas críticas na internet falando que esse não é um filme de terror - de sustos e de bigornas caindo ou de gatos assustados -, mas sim um suspense mais psicológico. E o caso é que é mais ou menos por aí. Com toda a ação centrada na casa claustrofóbica e enigmática do senhor Reed, poderíamos imaginar torturas gratuitas sem fim, de um serial killer que só quer se aproximar de duas jovens para abusar delas de todas as formas. Bom, em partes isso acontece. Mas há um ponto por trás. "Vocês estão onde escolheram estar", é o que lembra o sinistro homem - e, admito que diverti assistindo Grant, tão famoso pelas comédias românticas, encarnando um sujeito sombrio, de comportamento imprevisível. Sobre estar onde se quer estar, a frase de Reed, direcionada as meninas é ambígua. Pra quê, afinal, estragar sua juventude em uma vida tão alienante e de restrições como aquela que exige a Bíblia? Ou o Alcorão? Ou o Torá? Ou o livro sagrados dos mórmons?

 


Parte da graça de Herege - e o título da obra é quase autoexplicativo - está nesse deboche com o fanatismo religioso, independente de qual seja a corrente. É como se o senhor Reed dissesse, "olha, é mais ou menos tudo a mesma coisa e vocês estão brigando sobre isso e disputando espaço por quê?". O judaísmo é melhor do que o catolicismo? O islamismo está atrás das duas? Ou na frente? E todas essas religiões monoteístas não partem de textos mitológicos escritos milhares de anos antes? Com tramas semelhantes, fundamentos parecidos? Qual o sentido? Enquanto assistia, meio que coloquei a mão na consciência no que diz respeito a outros temas - especialmente os políticos. A religião, nos tempos de hoje, tem influência direta no assunto. Mas ao fim e ao cabo, não é tudo parte da grande engrenagem capitalista? Por quê estamos aqui brigando se, independente da porta que escolhermos, pararemos meio que no mesmo lugar?

Claro, alguns poderão dizer que os diretores exageram na dose na intenção de apresentar seu ponto. Ou fincar a bandeira. Ainda assim não deixa de ser interessante notar como a produção é salpicada por questões que são consideradas tabu quando o assunto são as crenças religiosas - sexo, poligamia, pornografia, indústria cultural, violência contra a mulher, a busca permanente por evidências científicas, experiências de quase morte, a hipocrisia da sociedade. Quando Paxton chega à propriedade de Reed, acompanhada da missionária Barnes (Sophie Tatcher), elas não imaginam ter de participar de uma série de jogos de perguntas e de respostas pra tentar escapar dali. O frio e a neve são abundantes lá fora. E a simples caixa de um jogo como Banco Imobiliário pode parecer mais provocativa do que é. Ou uma canção do The Hollies que toca na vitrola - a linda The Air That I Breathe que, sim, parece que já ouvimos antes. A gente já ouviu muita coisa antes. Mas a graça é que podemos escolher. Pra onde vamos, como agimos. Até se vamos acelerar ou não a nossa morte. Tá tudo meio que embrulhado ali, nesse thriller curioso, soturno, alegórico e bem resolvido que vale ser conferido.

Nota: 8,0 


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