De: Sidnay Lumet. Com Al Pacino, John Cazale, Charles Durning e Chris Sarandon. Comédia / Policial, EUA, 1972, 124 minutos.
Uma de minhas partes preferidas de Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon) é aquela em que a população que acompanha o desenrolar da negociação entre polícia, assaltantes e reféns fica bradando um: "solta a franga e vai pra rua! Solta a franga e vai pra rua!". É um instante divertido, excêntrico e, ainda que pouco politicamente correto, uma forma de mostrar que o povo, a massa, estava com Sonny (Al Pacino), o sujeito que leva a cabo um plano maluco de invadir um banco pra tentar levar uma grana para um nobríssimo motivo: pagar uma cirurgia de mudança de sexo para o namorado, num caso extraconjugal que é revelado no transcorrer do clássico de Sidney Lumet. Sim, hoje em dia esse tipo de argumento não surpreenderia - e esse até poderia ser o tipo de trama a fazer sucesso em uma comédia de costumes do circuito alternativo. Mas estamos em 1975. Falando de um caso que ocorreu de verdade, em 1972.
Na parte do "solta a franga e vai pra rua!", o filme já avançou bastante. Os cartazes de "estamos com Sonny", empunhados pela comunidade LGBT que toma conhecimento do caso e vai pra frente do banco para apoiar, digamos assim, o assaltante, são uma espécie de cereja do bolo de uma obra que permanece cheia de carisma, mesmo cinquenta anos depois. Era algo diferente do que já havia sido feito e há que se salientar não apenas a ousadia, mas a capacidade de tratar o tema de forma adulta, intensa, quase comovente. Quando chega ao banco acompanhado do imprevisível Sal (John Cazale), ainda não sabemos bem por quê Sonny tomou aquela decisão tão extrema. Ele parece alguém inteligente a ponto até de antecipar algumas decisões dos investigadores que lhe vigiam da rua. Ainda que soe totalmente despreparado no ofício de assaltar um banco. Meio desajeitado, ele tenta. E vai levando a coisa até o limite do aceitável.
O caso é que, em linhas gerais, essa é uma produção também sobre a complexidade da execução de um crime e de como tudo sai do controle diante do amadorismo de Sonny, de Sal e de Stevie (Gary Springer) - um jovem que, inseguro, desiste da empreitada assim que o trio adentra a agência. Dali pra frente, a dupla de assaltantes precisará improvisar enquanto negocia com os detetives da polícia - os telefonemas são incessantes -, e atende os desejos não apenas do gerente (Sully Boyar), como das funcionárias, que serão mantidas trancadas no cofre. Ou ao menos em parte do tempo. O calor é incessante e palpável - o suor escorre do rosto de todos - e as trapalhadas fazem a situação escalar. Há um vigia que sofre de asma e é liberado - em uma sequência caótica que também escancara o racismo que emerge dos homens da lei. Com o famoso caso do motim da prisão de Attica servindo como elemento histórico a fortalecer a ideia de uma grande injustiça social em andamento.
Vencedora do Oscar na categoria Roteiro Original e indicada a várias outras estatuetas, a produção também seria reconhecida pela crítica por sua inovação artística e pela ousadia em apresentar um protagonista abertamente gay em um tempo em que isso não era assim tão comum - e que ainda funciona como uma espécie de veículo de resistência frente ao autoritarismo (o que também é reforçado pela entrega cheia de carisma, energia e vulnerabilidade de Pacino). Aliás, o elenco como um todo é notável, preenchendo cada momento numa alternância entre sutileza e personalidade - e não é por acaso que mesmo as funcionárias do banco têm suas próprias idiossincrasias, como nos vários instantes em que Sylvia (a ótima Penélope Allen) se exalta, desafiando Sonny, mas permanecendo atenta as suas investidas meio imprevisíveis. Naturalista, engraçada e tocante a obra segue memorável, integrando várias listas de melhores mundo afora.
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