segunda-feira, 5 de maio de 2025

Cinema - Pequenas Coisas Como Estas (Small Things Like These)

De: Tim Mielants. Com Cillian Murphy, Emily Watson, Eileen Walsh e Zara Devlin. Drama, Irlanda / Bélgica / EUA, 2024, 98 minutos.

Não são poucas as cenas em que assistimos Bill Furlong (Cillian Murphy), o protagonista de Pequenas Coisas Como Estas (Small Things Like These), lavando freneticamente as mãos. É algo que faz total sentido, já que o sujeito é um comerciante de carvão do interior da Irlanda que, ao final de mais um dia de trabalho, tem como ritual sagrado essa higienização. Só que, para além do sentido de se limpar antes de ir ao encontro da família, parece haver ali, naquele esfregar que parece evoluir de maneira sôfrega, uma alegoria a respeito da tentativa de se livrar de um outro tipo de sujeira. Algo que vai ficando claro - por mais sutil que tudo seja - conforme a narrativa se desenrola e de como entendemos, em alguma medida, os traumas de Bill do passado. Especialmente aqueles que envolvem o complexo relacionamento com a sua mãe. Entre memórias dolorosas que vêm e vão, o homem parece considerar a possibilidade de, no presente, minimizar esse sofrimento.

Claro que nem tudo será fácil. Ao menos não de maneira óbvia - ainda mais quando percebemos qual a ponta forte nesse jogo de poder entre um trabalhador e as instituições religiosas que operam na pequena New Ross. O ano é 1985 e o Natal se aproxima. Bill tem uma série de entregas de cargas de carvão, já que o frio parece crescer de maneira palpável - e em obras do tipo, não deixa de impressionar como as paisagens enevoadas, as estradas cinzentas e o céu sempre nublado, parecem contribuir para uma espécie de melancolia onipresente, que se espalha para além da trama. Para as bordas, para os limites. Que tornam tudo mais desolador. E tenso. Ainda que essa tensão, esse medo, não fique exatamente claro. Há um tipo de horror que parece incrustado naquela rotina - e que parece rondar a vida um tanto simplória do protagonista, um homem bem casado, com a amorosa Eileen (Eileen Walsh) e pai de cinco filhas.

 

 


Em certa altura, Bill faz uma entrega em um convento local - um espaço taciturno, fechado, pouco convidativo. Enquanto está no galpão despejando os sacos de carvão, consegue espionar uma jovem sendo entregue à força no local. Ela implora aos gritos para não ficar ali. Chama por sua mãe ou por alguém que lhe socorra. Bill fica paralisado. Não consegue agir. E assim permanece, meio letárgico. Olhando pela janela, enquanto a vida acontece. Por meio de flashbacks, descobriremos que sua versão menino era a de uma criança dócil, fã livros de Charles Dickens, de música e de quebra-cabeças. Em suas memórias, perceberá aos poucos como a infância relativamente feliz ao lado de sua mãe Sarah (Agnes O'Casey), escondia segredos que refletiriam no presente. E certamente não é por acaso que ao encontrar uma jovem escondida no mesmo depósito de carvão do convento, dias depois, ela revele que se chama Sarah (Zara Devlin). E que está grávida de cinco meses.

[SPOILERS A PARTIR DAQUI] Quem já assistiu ao ótimo - e sempre impressionante - Em Nome de Deus (2002) que, infelizmente não está disponível em nenhuma plataforma de streaming -, não demorará para compreender do que se tratam aqueles conventos. Famosas na Irlanda, especialmente no século passado, as Lavanderias Madalena - um tipo de asilo católico para mulheres - funcionavam como um espaço para onde eram enviadas mulheres supostamente pecadoras ou depravadas. Ou mesmo órfãs, abandonadas pelas famílias, vítimas de abuso (sim), prostitutas e outras. Lá, além de terem sua liberdade cerceada, eram escravizadas e humilhadas, com jornadas de trabalho excruciantes e sem espaço para discussão das penas. Sarah, a jovem grávida, tenta escapar de todas as formas desses rituais de tirania travestidos de "amor de Deus" e busca por salvação. Em confronto com a madre superiora (e asquerosa), Mary (Emily Watson), a religiosa tentará comprar o silêncio de Bill. Mas talvez ela não possa comprar as atitudes. E, bom, pode ser o caminho para que as portas, vagarosamente, se abram.

Nota: 8,0 


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