Vamos combinar que alguns discos são tão prazerosos de se ouvir, que mais parecem um abraço de alguém que a gente gosta. É uma sensação de conforto. De acalento. É algo nostálgico, meio familiar, mas também inovador, delicado e claustrofóbico. E essa pluralidade de sentimentos é exatamente o que ocorre quando escutamos o lindo Lower, o terceiro registro de estúdio do cantor e compositor estadunidense Benjamin Booker. Ao cabo, tudo é perfeito nesse trabalho, que inicialmente se destaca pelo estilo vocal sedutor e aveludado do artista - que funcionará como uma espécie de fio condutor de canções que se espalham em histórias suburbanas (e violentas), devaneios existencialistas e alegorias desconfortáveis e cômicas de uma forma meio torta. Sim, cômicas, como no caso de Rebecca Latimer Felton Takes a BBC, canção sobre sexualidade e racismo, que coloca o dedo na ferida da hipocrisia dos conservadores (a tal Rebecca Latimer do título seria uma frígida senhora de escravos do passado).
Em linhas gerais as entrevistas de Booker e as próprias explicações sobre o significado de suas canções são pontuadas por tiradas bem humoradas, ainda que jamais ignorem a complexidade do fazer artístico. Sobre a maravilhosa Same Kind of Lonely - um shoegaze que lembra um The 1975, em um flerte com a periferia -, ele brincou ao afirmar que seu produtor Kenny Segal lhe enviou um material sobre como escrever uma música pop e que o caminho era "tocar em um assunto universal, com os versos mais vagos possíveis". O resultado é a melhor canção do ano sobre solidão e o desejo de recomeçar em um outro lugar - mas que surpreende no meio do caminho ao tomar uma direção inqueitante. O expediente se repete em outros instantes estranhos e belos, como no caso de New World, que presta homenagem ao injustiçado filme de Terrence Mallick de mesmo nome e a inaugural Black OOPS, que fala de violência e preconceito de forma bastante franca. Neo soul, psicodelia sessentista, art rock e até bedroom pop. Está tudo lá, redondinho e irresistível.
Nota: 9,5
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