segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Novidades em Streaming - O Aprendiz (The Apprentice)

De: Ali Abbasi. Com Sebastian Stan, Jeremy Strong e Maria Bakalova. Drama / Biografia, Canadá / Dinamarca / Irlanda / EUA, 2024, 122 minutos.

Sim, meus amigos, todo mundo sabe que é preciso ter estômago pra dar play em um filme sobre a "formação" de Donald Trump - e quais os bastidores que o consolidariam como figura pública de relevo, ainda na transição dos anos 70 e 80. Mas aí tem essa maldita maratona do Oscar e o Sebastian Stan indicado na categoria Ator, por sua construção que tenta, em alguma medida, humanizar um dos sujeitos mais abomináveis do planeta. E aí o início desse segundo governo Trump foi tão absurdo, tão delirante, tão distópico, que eu tenho a impressão de O Aprendiz (The Apprentice) já envelhecer mal na arrancada. Conhecendo o presidente dos Estados Unidos HOJE, confesso ser meio difícil ter qualquer tipo de empatia por aquele filho de magnatas supostamente ingênuo, que junta uma fortuna no mercado imobiliário - em partes, massacrando famílias pobres com dificuldades de honrar o aluguel - para ascender por meio de uma série de investimentos ambiciosos.

Eu li em algum lugar que Donald Trump não teria gostado da forma como ele é retratado no filme de Ali Abbasi - dos excelentes Border (2018) e Holy Spider (2022) -, mas o fato é que o laranjão deveria era agradecer aos produtores da obra. Para além do apetite pelo mundo dos negócios e da ganância financeira - que na real chega ao ponto da banalidade, nos dias de hoje, fazendo parte de qualquer discussão de homens de meia idade bem nascidos, com calças caqui e mocassins de solas largas - não há nada que desabone muito ou que soe mais bizarro do que qualquer das manifestações ou das ideações lunáticas de Trump como presidente dos Estados Unidos. Até mesmo a cena do estupro de Ivana (Maria Bakalova), por mais abominável e agressiva que seja, não surpreende. Primeiro por ser um evento conhecido e amplamente divulgado, segundo pela abordagem estranha da tomada - que talvez nem precisasse ter sido filmada.

 


Na trama, voltamos para meados dos anos 70, onde Trump (Stan) ainda é aquela almofadinha bem apessoado e meio sem rumo, que anda pra lá e pra cá em festas elegantes, tentando encontrar seu espaço. Em um desses eventos, ele conhece o advogado Roy Cohn (Jeremy Strong, que está muito bem em um papel que parece meio derivado daquele que ele fez em Succession), que se torna uma espécie de tutor, um mentor que guiará seus passos. E que lhe auxiliará, inicialmente, em um caso envolvendo o pai de Trump, Fred (Martin Donovan), que está sendo processado por discriminação contra inquilinos afro-americanos. Após uma chantagem envolvendo o promotor do caso e uma vitória na Justiça, a dupla se tornará inseparável, com Cohn guiando cada passo do pupilo, pautado por três regras básicas: sempre atacar, nunca admitir irregularidades e sempre reivindicar a vitória, mesmo quando derrotado (e não deixa de ser interessante perceber como Trump parece levar esses lemas ao cabo, até os dias de hoje).

Mas como mencionei no começo desse texto, esse é o tipo de projeto de baixa empolgação, porque a gente já inicia de nariz torcido e de olhos virados, ao ter de suportar uma historinha de bastidores de playboys corruptos que levam vantagem em tudo, ao passo em que mamam nas tetas do Estado até sugá-las ao limite (ainda que, inescapavelmente, vendam a ideia de austeridade e de economia acima de tudo, como a chave para o sucesso). No filme é possível constatar como Trump obteve um sem fim de isenções fiscais - inclusive na reforma do Hotel Commodore, em Nova York. Tudo com o dedo de Cohn e uma série de movimentações e chantagens de bastidores. O alcoolismo do irmão Freddie, o reaproveitamento do discurso ufanista de Reagan (esse de tornar a América "grande de novo"), o relacionamento tumultuado com Ivana, a homossexualidade no sigilo de Cohn, o vício em anfetaminas, a predileção por prostitutas, os tratamentos para a obesidade ou a calvície, tudo aparece bem costurado no roteiro que, ao cabo, choca um total de ZERO pessoas. E, menos ainda, os cidadãos de bem. 

 

 

Tudo isso é café pequeno perto de projetos como a política truculenta de imigração, a ideia de anexar (ou taxar economicamente) outros países ou de "reconstruir" a Faixa de Gaza (e os palestinos que lutem). Trump é tão absurdo e a sua existência como político é tão delirante que mesmo um filme sobre ele parece não dar conta. Parece jamais alcançar o seu tamanho e a sua loucura. Sim, de forma sutil a gente pode até perceber que tudo que consolidaria, ao cabo, essa figura grotesca, rotunda, está lá. Inclusive o fato de superar seu tutor e abandoná-lo pelo caminho (como costuma fazer qualquer extremista de direita que está na antessala do fascismo). Mas tá tudo meio vencido, o que é reforçado pelos tons pasteis de uma era Reagan que agora se repete, de forma turbinada. Muito pior. Muito mais vergonhosa. E que jamais será salva pela trilha sonora carismática e totalmente equivocada, que tem como peça central o clássico setentista Yes Sir, I Can Boogie, da dupla espanhola Baccara. 

Nota: 5,0

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