De: Paul Verhoeven. Com Sharon Stone, Michael Douglas, Jeanne Tripplehorn e George Dzundza. Thriller / Policial / Suspense, EUA / França, 1992, 129 minutos.
Quando a gente pensa em Instinto Selvagem (Basic Instinct) é meio que instantâneo nos vir à mente a clássica cena da "cruzada de pernas", protagonizada pela Sharon Stone no auge da sua beleza hipnotizante. Só que essa famosa sequência não pode ofuscar o óbvio: pra além da cena, o filme de Paul Verhoeven é, talvez, o melhor thriller policial dos anos 90 - com aquele DNA legítimo de sua década, mas sem ignorar outras produções do passado que, muito provavelmente, foram referência. Até porque há todo um quê hitchcockiano na obra - por mais que hoje em dia talvez seja meio clichê esse tipo de adjetivação. Mas o caso é que o filme já abre com uma morte violentíssima e, vá lá, inesperada. Um casal transa vigorosamente até o instante em que uma mulher loira (não conseguimos ver bem o seu rosto), saca um picador de gelo, furando o homem uma dezena de vezes. Um assassinato macabro, que mobilizará uma equipe de investigação, estando entre eles o detetive Nick Curran (Michael Douglas).
Como de praxe nesses casos, uma das principais suspeitas do assassinato de Johnny Boz (Bill Cable) - um astro de rock aposentado -, se torna a sua namorada Catherine Tramell (Stone) uma herdeira de patrimônio milionário, que também "ataca" de escritora. E, para surpresa geral dos detetives, o seu livro anterior possuía um recorte narrativo bem curioso, estilo a vida imita a arte: nela, uma mulher cometia um crime justamente matando um homem com um... picador de gelo. Um álibi poderoso? Uma curiosa excentricidade? Alguém cometendo um crime idêntico ao da obra literária, apenas para incriminar Catherine? O comportamento ambíguo e sedutor da suspeita torna tudo ainda mais complicado. Em certa altura, a caminho da delegacia para o seu depoimento, ela revela à Nick e a seu inseparável companheiro Guz (o carismático George Dzunza), que está produzindo um novo romance: nele, um detetive se apaixona pela mulher errada. O que ela revela num tom que leva o deboche ao limite.
Aliás, é justamente o charme zombeteiro adotado por Catherine, que vai exaurindo (mas também apaixonando) Nick. Enquanto os investigadores não conseguem ter a certeza de nada em relação ao crime cometido ou mesmo quem estaria por trás - após a perícia não há provas suficientes que possam incriminar a mulher, mesmo que uma série de elementos pudessem ligá-la ao assassinato -, uma série de segredos do passado, envolvendo não apenas Catherine mas também Nick, vão sendo relevados. Nick também também tem seus traumas: com um histórico de alcoolismo e de consumo de cocaína, teria cometido um grave erro alguns anos atrás, ao abrir fogo por engano em dois turistas, matando-os acidentalmente. O que será um prato cheio para a romancista, que usa essas informações a seu favor de forma provocativa. Nesse combo há ainda a atual namorada, de Catharine, Roxy (Leilani Sarelli) e a psicóloga Beth Garner (Jeanne Tripplehorn), que teve um caso com Nick, recentemente. Todas essas figuras emergirão envoltas em mistérios e em surpresas que tornam a narrativa excitante o tempo todo.
Extremamente bem executado do ponto de vista técnico, o filme ainda utiliza os cenários litorâneos de San Francisco para criar uma série de instantes tensos - especialmente os de perseguição desenfreada. E mesmo sequências menos complexas, possuem uma carga dramática inquietante, como é o caso daquela que envolve o primeiro encontro entre Nick, Guz e Catherine, no deck de sua enorme residência, com vista para o mar (uma cena tão inspirada em Hitchcock, que ela não faria feio em uma produção do mestre realizada ainda nos anos 50, em que policiais desavisados precisam lidar com loiras fatalíssimas). Com excelente trilha sonora e um figurino inesquecível, a obra ainda é cheia de ambiguidades, promovendo um jogo de caça e caçador em que nunca temos a certeza do que vai acontecer - e de quem estará à frente de quem. [ATENÇÃO, A PARTIR DAQUI UM GRANDE SPOILER] E ainda há a inesquecível sequência final como cereja do bolo, com os créditos subindo instantes após um picador de gelo ser revelado embaixo da cama. O que nos deixará desconfortáveis e com mais dúvidas do que certezas. Mas com um inadvertido sorriso no rosto. Filmaço!
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