quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Novidades em Streaming - Rustin

De: George C. Wolfe. Com Colman Domingo, Aml Ameen, Chris Rock e Glynn Turman. Drama / Biografia, EUA, 2023, 108 minutos.

Um dos eventos mais conhecidos no contexto da defesa dos direitos civis e econômicos da população negra norte americana. Assim pode ser resumida a Marcha Sobre Washington, passeata realizada em 28 de agosto de 1963 e que mobilizou mais de 250 mil pessoas que, unidas sob a bandeira de emprego, igualdade e liberdade, caminharam até o Lincoln Memorial, na capital americana, onde acompanharam, entre outros, o clássico discurso de Martin Luther King Jr. Nele, o líder político afirmava ter um sonho: o de poder viver em uma sociedade sem preconceito racial. Só que o que a maioria das pessoas não sabe - mais ainda o público brasileiro -, foi o quão turbulentos foram os bastidores que levariam à Marcha, que foi organizada pelos ativistas Asa Philip Randolph e Bayard Rustin, este último uma liderança controversa (ao menos para a época), por acreditar no pacifismo como o caminho para uma sociedade mais justa, mais igualitária. Fora o detalhezinho de que ele integrava o Partido Comunista e era gay, o que nos anos 60 (e talvez até hoje) também poderia ser um tipo de afronta.

Pois é justamente esse o contexto de Rustin, filme dirigido por George C. Wolfe que, depois de A Voz Suprema do Blues (2020), tem se especializado em cinebiografias verborrágicas e com uma paleta de cores mais vibrante. O que resulta em um tom mais leve, com a mão menos pesada, mesmo quando o tema é potente. Interpretado por Colman Domingo - que tem reais chances de conseguir uma indicação ao Oscar pelo papel -, Bayard Rustin é apresentado como um sujeito idealista e cheio de vida que, após um ato de chantagem envolvendo um proeminente político conservador, se vê meio que obrigado a abandonar a Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP), rompendo inclusive com Martin Luther King (Aml Ameen). Aliás, a obra mostra bem como, a despeito das dificuldades de fazer avançar as políticas de igualdade em uma sociedade dominada por homens brancos, idosos e antiquados, havia ainda muitas disputas internas envolvendo os diversos coletivos e organizações que lutavam pelos direitos dos negros. O que, ao cabo, também era uma barreira a mais.

Um bom exemplo nesse sentido foi Roy Wilkins (Chris Rock), outra liderança da NAACP que, nem sempre foi favorável aos métodos de Bayard - pautados pela doutrina antibelicista acima de tudo, mesmo em um contexto de disputas. Os anos 60 nos Estados Unidos foram efervescentes. E, a despeito de o Congresso ter determinado, no começo da década, que a segregação racial era inconstitucional, ainda havia muitas barreiras. Especialmente quando o assunto era o Sul do País, onde havia maior resistência em aceitar a inclusão de negros em espaços públicos - e não era incomum, por exemplo, locais como ônibus ou restaurantes destinarem espaços à parte, separados por raça. Quebrar essa lógica era difícil, complicado. E Bayard acreditava que uma marcha voluptuosa, consistente, poderia chamar a atenção da mídia, dos congressistas e do público em geral para a questão. Claro que organizar a logística da coisa toda não seria tarefa fácil. E, por mais romantizada que seja a experiência do filme, não deixa de ser interessante conferir como evoluiu cada etapa do arranjo da marcha.

Escolhendo uma abordagem mais amistosa, não tão panfletária, Wolfe amarra cada ponta de forma a tornar complexa cada figura que nos é apresentada. Incriminado por "conduta inadequada" no passado, ao ter sido preso por atentado ao pudor, Bayard precisa superar certa desconfiança mesmo dentro dos coletivos que estão ao seu lado. E nem sempre a obra parece fazer as melhores escolhas quando o assunto é a trilha sonora ou a edição - há alguns cortes abruptos meio estranhos e umas músicas selecionadas que não parecem dialogar com aquilo que assistimos (há momentos tensos em que um jazz frenético é inserido de forma completamente deslocada, por exemplo). Mas tudo isso não apaga o brilho do filme que tem produção do casal Obama e que não esconde detalhes do homossexualismo de seu protagonista que, em meio as lutas, poderia ser acusado de certo hedonismo (se o crime dele fosse amar demais). Ao cabo, essa é uma obra importante, especialmente pelo fato de o tema da igualdade racial nunca perder relevância. Ainda mais nos Estados Unidos, que parece repetir episódios de violência de forma permanente, estando ainda longe de uma solução mais satisfatória pra questão.

Nota: 7,5


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