domingo, 18 de dezembro de 2022

10 Melhores Leituras de 2022

Devo confessar a vocês que 2022 foi um ano de poucas leituras - ou em menor quantidade do que gostaria. Mas as poucas que fiz foram excelentes, sendo este um período muito proveitoso, em meio a clássicos modernos como Hibisco Roxo, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, até lançamentos deste ano, como é o caso de A Metade Fantasma, do argentino Alan Pauls. Resumo da ópera: tem muita coisa legal pra adicionar ao Skoob e, com a chegada do período de férias, colocar em dia as leituras. Eis a nossa relação!



10) Um Cântico Para Leibowitz (Walter M. Miller Jr.): único romance lançado pelo norte-americano Walter M. Miller Jr., esse clássico da ficção científica narra uma história de reconstrução, após um desastre nuclear mergulhar a humanidade em isolamento, desolação e obscurantismo - resultado de anos de loucura e violência que se seguiram ao Dilúvio de Fogo, que viria a arrasar o conhecimento humano construído por milênios. Tida como a causadora de todos os males, a ciência encontrará abrigo nos escombros de uma das tantas abadias da Ordem Albertina de São Leibowitz, cujos monges se dedicam, como arqueólogos improvisados, a a recolher e preservar os vestígios de uma cultura agora esquecida. Cobrindo mais de mil e oitocentos anos de história entre passado, presente e futuro, a narrativa envolvente do autor conta a obstinada epopeia de uma ordem religiosa que tem o objetivo de salvar o conhecimento humano, catalogando-o e organizando-o. Mas como lidar com esse conhecimento? O que fazer dele? Marco da literatura distópica e pós-apocalíptica, esse clássico atemporal coloca ciência e religião como antagonistas em um embate entre poderes em que o resultado pode levar a humanidade a um ciclo eterno de colapsos. Algo não tão distante da realidade atual.


9) Querida Kombini (Sayara Murata): livro premiadíssimo e com mais de 700 mil exemplares comercializados só no Japão, Querida Kombini conta a história de Keiko Furukura que, aos trinta e seis anos nunca teve um envolvimento romântico. Trabalhando desde os dezoito anos em uma kombini - espécie de loja de conveniência típica do País asiático -, a protagonista sofre com as pressões do entorno para que não apenas arrume um trabalho "de verdade", como também arranje um marido. Vivendo à margem desde a infância, Keiko encontra justamente no universo milimetricamente organizado do seu emprego, a lógica de funcionamento de um mundo que, fora dali, parece não existir para ela. E será justamente a chegada de um jovem funcionário, de nome Shihara, que abalará essa sólida estrutura que envolve a protagonista. Utilizando o espaço da loja de conveniência como uma espécie de microcosmo que reflete a própria sociedade contemporânea japonesa - individualista, desinteressada, sem vontade de se relacionar (ou mesmo de transar) -, a autora nos faz refletir sobre o que, afinal, é se sentir plenamente realizado nos dias de hoje. Ou, mais do que isso, o que é "ser normal"? 

8) O Negociante de Inícios de Romance (Matéi Visniec): "Ele era um velho que pescava sozinho num esquife na Corrente do Golfo e saíra havia já oitenta e quatro dias sem apanhar um peixe". A primeira frase de o Velho e o Mar, clássico de Ernest Hemingway, é daquelas que faz com que o leitor sequer saiba onde exatamente está a gravidade da situação. "No fato de o personagem estar sozinho? Ou no de ser velho? Ou de pescar numa zona por onde passa a famosa Corrente do Golfo, conhecida por seus redemoinhos? Ou ainda, no fato de não apanhar peixe já há quase três meses?" É por meio de um conjunto de divagações bem humoradas como estas, que Matéi Visniec converte o divertidamente cínico O Negociante de Inícios de Romance em uma experiência caleidoscópica sobre contemporaneidade, indústria cultural e sociedade de consumo, apresentando a urgência da busca pelos "eternos começos" em uma metáfora absurdamente mundana a respeito de fuga de responsabilidades, superficialidade da vida e completa evasão de profundidade de pensamentos. Cômica e metalinguística, a obra cruza questões relativas à pós-modernidade se conectando à literatura como veículo de enfrentamento ao totalitarismo, nos conduzindo por um passeio onírico, excêntrico e metalinguístico. Leia a resenha completa.


7) O Parque das Irmãs Magníficas (Camila Sosa Villada):
 Mistura de rito de iniciação, conto de fadas e história de terror, a obra da escritora argentina Camila Sosa Villada é um manifesto explosivo que faz emergir de suas páginas duas faces convergentes da comunidade trans, as quais fascinam e repelem sociedades do mundo inteiro: a fúria travesti e a festa que há em ser travesti. Inspirada em memórias da própria autora, a obra mescla magia, violência e ternura sendo narrada com uma sinceridade brutal. Na trama, acompanhamos a jovem Camila que estuda durante o dia e se prostitui à noite, no Parque Sarmiento, em Córdoba. Em certa madrugada, ela e outras travestis resgatam um bebê abandonado, levando-o até a Tia Encarna - cafetina do grupo. Esses acontecimentos convergem para que a história das envolvidas seja aos poucos revelada, tendo como pano de fundo justamente esse universo dominado pela incerteza. Para além de discutir as dificuldades e da falta de oportunidades para as trans em um mundo tão hipocritamente preconceituoso, a obra destaca a rede de apoio que costuma envolver essas mulheres. Há na narrativa vigorosa espaço para o riso e para o choro, que ajudam aquelas meninas a enfrentar a complexa realidade de apagamento que, em certa medida, estão inseridas.

6) Poeta Chileno (Alejandro Zambra): Já dizia Pablo Neruda que "é tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas, quanto os poetas se tornarem pessoas razoáveis". Não sei dizer se Neruda estava certo, mas no universo bastante íntimo retratado por Alejandro Zambra no ótimo romance Poeta Chileno, o que temos é um verdadeiro mergulho nesse ambiente quase mitológico dos poetas chilenos. "Somos bicampeões na Copa do Mundo de poesia" afirma em certa altura da narrativa, num tom que vai no limite entre o orgulho e o deboche, um certo Pato, amigo de Vicente, jovem recém-saído da adolescência, que sonha seguir os passos de Gabriela Mistral, Nicanor Parra, Armando Uribe, além do próprio Neruda. Aliás, Mistral e Neruda atestam a eficiência da poesia saída do País de Salvador Allende, afinal, venceram o prestigioso Prêmio Nobel de Literatura. Mas há espaço para esse tipo de leitura nos tempos atuais? Fora os clássicos, as pessoas se interessam por esse tipo de material curto, meio formulaico e excessivamente subjetivo, ainda que invariavelmente provocativo? Divagando sobre esses temas, o autor narra a história do aspirante a escritor Gonzalo, em uma saborosa análise metalinguística do fazer literário. Leia a resenha completa.

5) Herdeiras do Mar (Mary Lynn Bracht): O contraste entre a beleza poética da escrita e o argumento comovente é uma das marcas da imperdível obra de Mary Lynn Bracht. Trata-se de um livro duro, quase indigesto, mas que apresenta uma história que é, para muitas pessoas, desconhecida - no caso, sobre as jovens coreanas que, durante a Segunda Guerra Mundial, foram enviadas para regiões longínquas para servirem como "mulheres de consolo" para soldados japoneses. Sim, essa experiência repugnante é vivida por Hana, que é conduzida à região da Manchúria por Morimoto - um soldado japonês linha dura que sequestra a jovem quando ela tinha apenas 16 anos. Sob ocupação japonesa Hana é considerada, em sua Coreia natal, uma cidadã de segunda classe, com pouquíssimos direitos. Ainda assim ela orgulha-se em ser uma haenyeo, como são conhecidas as mulheres que trabalham no mar como mergulhadoras marinhas - atividade tão perigosa quanto lucrativa. Ao cabo, Herdeiras do Mar é uma experiência envolvente, inquietante, aflitiva e sensorial, um verdadeiro documento histórico que evidencia a misoginia, especialmente em tempos de guerra, em meio a outros absurdos do processo de colonização. Leia a resenha completa.

4) Véspera (Carla Madeira): Vamos combinar: existem escritores que possuem uma capacidade única de se conectar com os leitores e, a meu ver, esse é justamente o caso da mineira Carla Madeira. Com personagens cheios de ambiguidades que, em muitos casos, tomam atitudes extremas, a obra mergulha em um universo bastante particular, em que temas como masculinidade tóxica, opressão sexual, hipocrisia e violências cotidianas chegam no formato de torrentes - caudalosas, vigorosas, imprevisíveis. Em Véspera, Vedina toma uma atitude impensada que modificará sua vida pra sempre ao passo que seu marido Abel, irmão gêmeo de Caim e que vive à sombra desse, guarda uma série de segredos obscuros, íntimos, que remetem à juventude e que, em meio a tragédias familiares grandes ou pequenas, parecem sempre prontos para vir à tona. Em linhas gerais estamos diante de uma narrativa que é costurada em dois tempos que correm paralelamente - com passado e presente se encontrando e se recombinando, como uma espécie de elipse que alude a vésperas e contemporaneidades. O que torna Véspera, assim como Tudo É Rio, uma obra magnética, daquelas que reverbera por muito tempo depois, em sua irrepreensível análise sobre a condição humana. Leia a resenha completa.


3) Hibisco Roxo (Chimamanda Ngozi Adichie): Devo admitir que fiquei impactado pelo microcosmo apresentado pela escritora nigeriana em seu livro de estreia que, ao mesmo tempo que propõe um mergulho lateral em um País pós-colonial militarizado, também evidencia as consequências do sincretismo religioso que coloca frente à frente as tradições mais primitivas dos povos africanos - suas crenças, seu folclore, sua cultura -, em contraste com o catolicismo branco, colonizador e, de alguma forma, opressivo. Sim, pode parecer bastante complexo, mas todos esses componentes são apresentados a partir da história de um pequeno núcleo familiar com a narradora, a adolescente Kambili Achike, sendo confrontada com uma série de eventos que ocorrem no entorno - e que envolvem outras figuras, como o pai Eugene (um empresário conservador/cristão), o padre progressista Amadi e, especialmente, a tia de Kambili, a professora universitária Ifeoma. De escrita saborosa, vertiginosa, esta é uma obra de formação que funciona como uma poética aula de história e de geopolítica da Nigéria - mas sem soar excessivamente acadêmica. E tudo isso nos apresentando uma coleção de personagens complexas, cheias de ambiguidades e nada maniqueístas. Simplesmente essencial. Leia a resenha completa.

2) A Velocidade da Luz (Javier Cercas): O passado que reverbera no presente. As escolhas de vida nem sempre acertadas. Objetivos, sonhos, decisões e frustrações. Arrependimentos espalhados, trajetórias dentro daquilo que é possível. Tudo aquilo que, afinal, parece dotar a nossa realidade de sentido - ou mesmo de beleza, mesmo quando na dor -, é possível encontrar nessa maravilhosa obra do espanhol Javier Cercas. Pegando uma coleção de temas aparentemente simples, que envolvem desde um autor recém aclamado em busca de uma nova história pra contar, passando pelos traumas de guerra, até chegar aos dramas domésticos nunca solucionados, tudo é narrado com fluidez desconcertante, por meio de uma prosa riquíssima, poética. Daquelas que vai recompensando o leitor com pequenas surpresas que, aqui e ali, formarão uma verdadeira colcha de retalhos a respeito da ruína do ideal de força que evoca dos conflitos bélicos, ao passo em que avança para a completa deterioração do sonho americano. "Existem duas tragédias na vida: uma é não conseguir o que se quer. A outra é conseguir". A frase de Oscar Wilde parece ser fundamental para todos os personagens trágicos que acompanhamos. Impossível não se envolver. Leia a resenha completa.


1) A Metade Fantasma (Alan Pauls): Savoy, o protagonista do novo romance do argentino Alan Pauls, possui um hábito excêntrico: visitar casas e apartamentos para alugar pelo simples prazer de adentrar o espaço alheio. A intenção não é de fechar negócio: ao conhecer corretores e negociar encontros, esse cinquentão anacrônico que sequer possui um aparelho celular decente, funciona como um intruso fugaz da vida dos outros, enquanto contempla a singularidade dos moradores da capital Buenos Aires. E em meio a entradas aleatórias no chatroulette e às perdas de tempo sucessivas em sites de compras de objetos meio inúteis, ele conhecerá Carla, uma mulher mais jovem que, se comparada a Savoy, parece saída de outra dimensão. Carla é o completo oposto: conectada, tecnológica, participante ativa de uma geração em que a internet move a vida, as relações, os hábitos e os comportamentos. Trabalhando como house sitter, a jovem é a Geração Z desenhada. Não cria laços. Não estabelece vínculos afetivos intensos. Suas "raízes" são o mundo. E será dessa relação entre duas pessoas tão diametralmente opostas que emergirá uma narrativa vigorosa, que discute o amor (ou algo perto disso) em tempos cibernéticos, conectados, urgentes. Espetacular é pouco. Leia a resenha completa.


E então, curtiram a lista? Mandem seus comentários, sugestões críticas! Ou apenas digam quais foram as grandes leituras que marcaram vocês em 2022!

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