segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Cine Baú - A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show)

De: Peter Bogdanovich. Com Jeff Bridges, Timothy Burrows, Cybill Shepherd, Cloris Leachmann e Ellen Burstyn. Drama, EUA, 1971, 118 minutos.

Existem alguns filmes em que a ambientação, o clima, são determinantes para a narrativa. Quase como se, por si só, esse aspecto funcionasse como parte da personalidade da obra. Talvez, à sua maneira, uma espécie de "personagem". Vocês sabem do que estou falando - no caso, daqueles componentes subjetivos que ajudam a dar luz própria à experiência. É algo que está mas não está. Que não é palpável, que é um tanto abstrato. No caso do clássico A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show), de Peter Bogdanovich, esse elemento é materializado no Sul do Texas inóspito, isolado, poeirento e sufocante do começo dos anos 50. É nesse local pouco convidativo que acompanharemos um grupo de jovens que está se despedindo da escola, para encarar a vida adulta que se avizinha. É, nesse sentido, uma obra sobre amadurecimento. E, mais do que isso, um amadurecimento meio na marra, em uma situação adversa, que é completada por um ambiente conservador, eventualmente ultrapassado, retrógrado.

Assim, os esforços e as vontades dos jovens parecem encontrar poucas formas de "escoamento". A Segunda Guerra Mundial terminou e o fim de uma era parece ser simbolizado pelos filmes de faroeste que, aos poucos esvanecem - e não surpreende que o cinema da pequena cidade esteja para fechar. Ao mesmo tempo, aqueles pós-adolescentes precisam decidir quais caminhos trilhar. Especialmente em uma terra de poucas oportunidades - fria, industriaria, sem muitas perspectivas. Não por acaso o ideal de entretenimento está em acompanhar os jogos de futebol americano (e o time local não parece estar muito bem), tomar alguns banhos de piscina na casa do ricaço das redondezas e andar de carro entre um ponto de outro que leve do bar ao já citado cinema. Nesse contexto, abrem-se brechas para tentativas nem sempre bem sucedidas de relacionamentos, de sexo descompromissado, de términos e de recomeços. Há, no bolo geral, uma sensação permanente de desalento, como se todos ali estivessem meio parados no tempo. E não estão?

Na trama, dois jovens funcionam como centro da narrativa - no caso o sensível e decidido Sonny (Timothy Burrows) e o agitado e mentalmente instável Duane (Jeff Bridges), que namora Jacy (Cybill Shepherd), a beldade local oficial. Enquanto Sonny se engraça com Ruth (Cloris Leachmann), uma mulher casada (com o treinador local de basquete), a mãe de Jacy, Lois (Ellen Burstyn) funciona como um embrião de feminismo, ao esbanjar um ideal moderno de relacionamento (ainda que ela deseje, em seu íntimo, que sua filha se case com um ricaço). O microcosmo é completado por outras figuras que orbitam os protagonistas - casos do dono do cinema (e da bodega) local Sam The Lion (Ben Johnson), da garçonete Genevieve (Eileen Brennan) e da prostituta Jimmie Sue (Helena Humann). Todos com sonhos, desejos, anseios, medos e frustrações em meio ao tédio pestilento daquela cidade isolada no meio do nada.

Aliás, talvez nas mãos de outro diretor esse filme meio despretensioso pudesse parecer mais sobre "nada" do que verdadeiramente é. Aqui há, no fundo, uma crítica meio generalizada à letargia de parte da população norte-americana de meados do século passado, que assistia aos acontecimentos de seu próprio País com comportamento alheio, distante. Como se a política e todos os outros componentes sociais e culturais da Terra do Tio Sam não fossem para além da mesquinharia de saber com quem esse ou aquele se relaciona, se a ou b está doente ou se o vizinho morreu. As decisões - quem vai pra Guerra, se a TV é ou não uma realidade nos lares americanos, se a economia vai alavancar -, passam a margem, em meio a postos de gasolina decadentes e bares insalubres. E tudo com uma bela fotografia em preto e branco - as cenas decisivas parecem até mais impactantes - e uma linda trilha sonora, quase toda com composições doloridas de Hank Williams. No Oscar 1972 foram oito indicações e duas vitórias - ator e atriz coadjuvantes para Ben Johnson e Cloris Leachmann. Já nas listas de melhores a película também costuma ser figurinha fácil, aparecendo no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer e em publicações como a da Revista Bravo!, com os 100 Filmes Essenciais.

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