segunda-feira, 14 de junho de 2021

Tesouros Cinéfilos - Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill)

De: Roger Michell. Com Julia Roberts, Hugh Grant, Rhys Ifans, Emma Chambers e Gina Mckee. Comédia romântica, Reino Unido / EUA, 1999, 124 minutos.

Curioso notar como uma comédia romântica com um roteiro tão improvável quanto Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill) siga tão elegante, irresistível e engraçada. É um romance estilo classudão, mas ao mesmo tempo cheio de piadas boas - especialmente aquelas que se apropriam do contexto em que seus personagens estão inseridos. A trama se passa na charmosa cidade título - aquele tipo de lugarzinho interiorano, que costuma ter a feira da cidade como o evento mais emocionante da semana. E é na Inglaterra o que, naturalmente, aumenta o caráter encantador da coisa. É nesse local pacato, que Will (Hugh Grant, pra variar) mantém uma pequena livraria especializada em guias para viagens. Em meio a um cliente xarope e outro, o sujeito recebe a visita da estrela hollywoodiana Anna Scott (Julia Roberts), que está na Europa para divulgar o seu novo filme - uma bobajada de ficção científica. E, bom, vocês já sabem: primeiro contato desengonçado, desventuras, aquele clima de "não vai dar certo" até que...

Sim, a estrutura da uma comédia romântica dificilmente se modifica. É um clássico. E no curso de cinema que fiz com o mestre Pablo Villaça, ele nos lembrou mais de uma vez o fato de que devemos ignorar o aspecto previsível do gênero: o que vale mesmo é o percurso. A trajetória. E o quanto torcemos e nos importamos com aqueles que estamos acompanhando. E, vamos combinar, não é nada trabalhoso torcer para que Hugh Grant e Julia Roberts se "entendam" ao final de duas horas de experiência. Especialmente pelo fato de o filme do diretor Roger Michell (Vênus) nos pegar pelo braço e nos conduzir com leveza já na primeira cena - momento em que Anna surge deslumbrante, em vários lugares distintos, ao som da grandiloquente She de Charles Aznavour. Aliás, parêntese: com canções de Shania Twain (You've Got a Way), Ronan Keating (When You Say Nothing At All), Al Green (How Can You Mend a Broken Heart) e Bill Withers (Ain't No Sunchine), a película não faria feio no nosso quadro Cinemúsica.

Já Will nos é apresentado como aquele cara comum que, beirando os 40 anos e recém-divorciado, divide um sobrado com o amigo porra louca Spike (Rhys Ifans), aquele sujeito meio sem noção, que quase sempre surge nos filmes como o alívio cômico. Aliás, a parte engraçada da obra é ótima - e é lugar comum elogiar o humor inglês. Mas aqui ele está especialmente inspirado, ainda mais quando toma emprestada a metalinguagem como característica. Em uma cena em que a dupla central discute cláusulas relativas à nudez após o vazamento de fotos íntimas de Anna, ambos tecem longos comentários sobre dublês e sobre o fato de Mel Gibson não solicitá-los porque, afinal, ele é o Mel Gibson, oras! Em outro instante Anna é elogiada pelo seu papel em Ghost - Do Outro Lado da Vida (1990). E mesmo em meio a divagações mais melancólicas, como quando Anna recorre a frase de Rita Hayworth ("os homens vão pra cama com Gilda, mas acordam comigo"), a narrativa flui de forma orgânica, nos arrancando, nem que seja, um suspiro mais enternecedor.

E há ainda aquele coletivo de amigos irresistível de Will - e que deixam o espectador com um "quentinho no coração". A amiga cadeirante Bella (Gina McKee) é tratada com verdadeira devoção e carinho pelo marido Max (Tim Mclnnerny). Já Bernie (Hugh Boneville) surge como o amigo alienado ligado ao mercado financeiro, que sequer reconhece Anna na cena do primeiro jantar. Mas que também sonha em ser feliz. Honey (a falecida Emma Chambers) surge como a irmã destrambelhada do protagonista. A gente simpatiza com todos, cada qual a sua maneira. O que torna quase impossível não torcer por um desfecho satisfatório. E no combo todo nada se compara a sequência em que Will embarca por engano, na sessão de entrevistas do novo filme de Anna: os improvisos são bobinhos, mas funcionam (e, eu particularmente acho adorável a parte em que Mischa Barton revela estar no seu 22º filme, mesmo que só tenha doze anos). Talvez não seja por acaso que a comédia tenha sido lembrada no Bafta (ganhou o Prêmio Orange), ainda que tenha sido esnobada no Oscar. Sim, o Dia dos Namorados foi no último sábado. Mas ainda dá tempo de "resgatar". E bem facinho: tá na Netflix.

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