segunda-feira, 28 de junho de 2021

Tesouros Cinéfilos - Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility)

De: Ang Lee. Com Emma Thompson, Kate Winslet, Alan Rickman, Hugh Grant, Gemma Jones e Tom Wilkinson. Drama / Romance, EUA / Reino Unido, 1995, 136 minutos.

A obra de Jane Austen costuma ser bastante criticada, atualmente, por parecer bastante deslocada de seu tempo. Com suas personagens envolvidas em conflitos familiares em que temas, como, matrimônio por conveniência, disputas por heranças, castidade eventual e lutas de classes, são inseridos em meio a mesquinharia da burguesia e ao virtuosismo ocasional das classes menos abastadas, temos narrativas em que a simplicidade alegórica e o romantismo quase efêmero se sobressaem - enquanto assuntos de mais envergadura, ligados ao contexto político, social, religioso e cultural são relegados a um segundo plano. Devo dizer que eu não sei se concordo com isso - e, aqui vai uma confissão: nunca li nenhum livro da autora inglesa. Mas admito que sigo achando sensacionais as experiências cinematográficas com as suas publicações, sendo Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility), uma de minhas favoritas.

A gente jamais pode esquecer, por exemplo, que o livro em que se baseia o filme de Ang Lee, foi escrito em 1808. Mais de duzentos anos atrás. Muito antes de qualquer luta feminista ou da criação de qualquer personagem mais forte nesse sentido. O que não impede o fato de percebermos o vigor com que Gemma Jones encarna a Sra. Dashboard, que cria sozinha as três filhas em meio ao ambiente campesino, após perder o marido. Ou mesmo o empenho de Elinor (a sempre exuberante Emma Thompson) em tentar se manter firme em meio a tantas idas, vindas, sofrimentos e reviravoltas que envolvem, também, o seu candidato a par romântico Edward Ferrars (Hugh Grant). Sim, por trás das intenções de uma vida doméstica organizada, em um casamento satisfatório, há uma força de vontade genuína e uma ampla e heróica capacidade de "movimento", de sair do lugar comum, de lutar por amores, amizades e situações que modifiquem o cotidiano, que evoquem alguma esperança em meio a estupidez dos dias repetidos.


E, quase como sempre parece ocorrer nas obras de Austen, a quebra da hierarquia relacionada as diferenças de classes é o que rege cada uma das narrativas. Mais do que isso, é bastante frequente o retrato da aristocracia como um coletivo eventualmente estúpido, mesquinho, fútil e interessado apenas em perpetrar a sua riqueza, por meio de casamentos enjambrados, em que o que menos existe é o amor. Nesse sentido, a simples luta pelo "amor" - especialmente em uma sociedade que se pauta pelo ódio -, parece tornar Austen tão atual e necessária. Assistir aquelas várias famílias em suas casas simples ou majestosas, em meio à natureza exuberante, que acompanha chuvas comoventes em meio ao movimentos de carroças, cavalos e outros acessórios, no campo ou em cidadelas em construção, é sentir algum tipo de familiaridade que aproxima da coisa simples, do bucolismo nostálgico, da saudade daquilo que nem vivemos (mas que, talvez, em nosso íntimo, desejemos viver). Em resumo, a gente torce pra que a coisa dê certo - e quer algo mais "subversivo" do que isso?

A trama parte do falecimento de um patriarca, que deixará a ex-mulher e as filhas em maus lencóis - uma vez que a herança vai parar nas mãos de seu único filho (e de sua ambiciosa e irritante esposa). A solução encontrada é se mudar para uma casa simples e improvisada, na tentativa de sacudir a poeira e seguir em frente. Enquanto ocorre um verdadeiro desfile de figurinos e de cenários deslumbrantes - o desenho de produção beira à perfeição - acompanhamos as tentativas de duas irmãs em se arranjar em matéria de matrimônio, o que pode lhes ajudar num futuro melhor. Alguns pesquisadores garantem que Austen olhava com carinho para suas personagens, tentando evitar ao máximo o sofrimento do leitor (e do espectador) - o que reduziria a força de sua obra, excessivamente harmônica (assim como são as flores e os jardins bem arranjados) e amplamente fraternal. A gente pode dar "voltas" defendendo este ou aquele ponto de vista, mas uma coisa é certa: o filme de 1995 segue como um valioso e íntimo retrato da Inglaterra do começo do século XIX. E o Oscar de Roteiro Adaptado, há exatos 25 anos, pode ser que avalize essa condição, valendo o resgate.


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