De: Cao Hamburger. Com João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat e Maria Flor. Drama / Aventura, Brasil, 2012, 102 minutos.
Poderia ter sido uma missão potencialmente violenta - com disputa por terras, morte e sangue. Mas sob a liderança dos Irmãos Villas-Bôas, o possível caráter militarista da Marcha Para o Oeste - expedição de contato, pacificação e respeito aos povos indígenas da região centro-oeste brasileira, nos começo dos anos 40 - transformou o Parque Indígena do Xingu na primeira terra indígena homologada pelo Governo Federal (no caso, por Jânio Quadros, nos anos 60). Significa que foi fácil? Sem pressões variadas, como as de uma ainda embrionária Bancada do Boi? Sem excessos burocráticos? Não. Foi difícil. Foi complexo. Exigiu um grande empenho. Especialmente de Leonardo (Caio Blat), Cláudio (João Miguel) e Orlando (Felipe Camargo), os três irmãos que, ainda jovens, partem para a expedição Roncador-Xingú, no coração do Brasil Central, com o objetivo de desbravar as regiões Norte e Centro-Oeste, com vistas a promover o desenvolvimento, a partir da criação de pequenos núcleos de colonização.
Era o Governo Vargas e o Estado Novo se impunha também como política migratória, que buscava o crescimento econômico em regiões consideradas pouco povoadas - o que incluía também o desenvolvimento da malha ferroviária, considerada estratégica dentro dessa política. Não por acaso, na época, foram criadas zonas de habitação em Goiás, Amazonas, Mato Grosso, Pará e Maranhão. E tudo isso, de alguma maneira, nos é mostrado no inadvertidamente nacionalista (no melhor sentido da palavra) no ótimo Xingú, do diretor Cao Hamburger (Filhos do Carnaval). Do contato inicial e cheio de dúvidas com as diversas etnias indígenas locais, até a consolidação do Parque como uma espécie de contrapartida as políticas públicas excessivamente desenvolvimentistas da época, a obra mostra os pequenos conflitos com latifundiários da região, os diversos interesses nas terras, e o sonho de um modelo de reforma agrária que pudesse valorizar a agricultura familiar.
Nesse sentido, o filme não deixa de ter um caráter idílico, de comunhão entre homem e natureza e de respeito às mais diferentes culturas, bem como seus hábitos, costumes, vestimentas, danças. Colocados em espectros opostos, brancos e índios estabelecem um contato que funciona quase como um sonho pacifista (especialmente em tempos em que o massacre de povos tradicionais inteiros parece fazer parte de uma espécie de agenda "paralela" governamental). Empenhados em promover o desenvolvimento local, mas sem necessariamente aniquilar os grupos originários, os Irmãos Villas-Boas são até hoje colocados ao lado de figuras proeminentes da área da educação e da antropologia, como Darcy Ribeiro e Marechal Rondon, especialmente pelo emprego de uma agenda que visava a preservação dos índios, quando em contato com a cultura dos brancos. O que, em muitos casos, resultou em choque com latifundiários, madeireiros e outros, contrários as políticas indianistas.
Talvez essa seja, ao cabo, uma obra otimista demais para os tempos que vivemos. Mas alternando momentos de confraternização - como aquele em que o grupo de brancos aparece participando de rituais de dança das tribos -, com outros mais comoventes, como quando comunidades indígenas inteiras são dizimadas por "gripes" e outras doenças de branco, Cao traz complexidade à obra, que não se encerra com a criação do Parque em si, uma vez que ele segue permanentemente sob ameaça (com desmatamento, garimpo ilegal, invasões e outros). Mas nos dá um respiro sobre uma existência possível com o diferente. Tecnicamente bem executado (as tomadas aéreas são belíssimas, e o desenho de produção, como não poderia deixar de ser, é amplamente naturalista), o filme não passa pano para as deficiências desse tipo de contexto, afinal de contas, até onde podemos "interferir" quando o assunto são os povos originários? E quais os caminhos para que seja assegurada a manutenção de suas vidas, e daquilo que é fundamental para que sobrevivam? Sim, são perguntas de difícil resposta.
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