terça-feira, 12 de março de 2019

Pérolas da Netflix - O Menino Que Descobriu o Vento (The Boy Who Harnessed The Wind)

De: Chiwetel Ejiofor. Com Chiwetel Ejiofor, Maxwell Simba e Aïssa Maïga. Drama, EUA / Malawi / França / Reino Unido, 2019, 113 minutos.

Uma ode a importância do estudo. Ou um elogio a busca permanente por conhecimento. Talvez essas duas pequenas sentenças possam resumir, ao menos em partes, a ideia central que se aplica ao emocionante O Menino Que Descobriu o Vento (The Boy Who Harnessed The Wind) - filme sensação da Netflix no momento. A obra dirigida por Chiwetel Ejiofor - ator que vimos nos ótimos Filhos da Esperança (2006) e 12 Anos de Escravidão (2013) - e que faz a sua premiada estreia atrás das câmeras é também uma história sobre pessoas em situação limite, tentando superar dificuldades em meio a pobreza, a fome e ao abandono completo dos governantes. Bom, não é preciso ser nenhum adivinho para saber que a sessão será melhor apreciada se houver a tiracolo uma CAIXA de lenços de papel - fato comprovado já pelo trailer edificante.

Baseada em fatos reais, a trama retorna para o ano de 2001, para mostrar o dia a dia de uma família de agricultores no Malawi (país pobre da África Oriental). Em meio a expectativa pelas safras de tabaco e de grãos, Trywell (Ejiofor) e Agnes (Aïssa Maïga) estão empolgados com o fato de o filho, o jovem William (Maxwell Simba) estar indo para a escola. A solenidade do momento pode ser vista na reação de todos da família, quando o menino de 12 anos veste o garboso uniforme do educandário, com direito a gravata e tudo. "Parece um médico da cidade" brinca a irmã Annie (Lily Banda). Sim, estudar faz a diferença e o capital do conhecimento pode ser o caminho que auxiliará os jovens (e a família) a sair da miséria. E Ejiofor é hábil ao fazer o espectador lembrar disso a cada pouco, conforme a película avança e os esforços de cada um aparecem.


O caso é que William tem aptidão para a parte eletrônica. Usando peças antigas e outros objetos retirados de um antigo ferro-velho próximo à aldeia em que moram, faz instalações elétricas na casa e conserta rádios para os vizinhos. Mas Platão já dizia que "a necessidade é a mãe de toda a invenção" e será após uma frustração da safra de tabaco (resultado de uma política de Governo minguada e da ambição de donos de terras vizinhas em que florestas funcionavam como barreira natural para enchentes), que o garoto encasquetará que poderá construir uma espécie de moinho artesanal, capaz de movimentar uma bomba da água que distribuirá melhor o recurso na lavoura. Especialmente na lavoura de milho porque, como se a desgraça pouca não fosse bobagem, a safra do grão também passa por problemas - estes, no caso, decorrentes da seca.

É claro que nem tudo será fácil: William precisa estudar, mas os pais têm dificuldades financeiras que o impedem de pagar a escola nos meses seguintes. A situação se agrava com o fracasso da colheita, cabendo ao jovem achar brechas, por meio de estratégias questionáveis, para chegar a biblioteca do colégio e assim, ler os livros que lhe aprimorarão os conhecimentos. Sim, tudo é muito dramático, tocante e desalentador. Há um componente religioso e político por trás, que torna a história universal, dando-lhe (ainda) mais envergadura. Nesse sentido, Ejiofor enxerga o todo, o contexto. Até mesmo porque pobreza também tem a ver com oportunidades - e se elas não forem minimamente equilibradas, algumas poucas pessoas terão melhores condições de vida e outras muitas sofrerão com as migalhas. E sem haver um sistema de ensino público no local, a situação se torna alarmante.



Com um elenco absurdamente entrosado, uma fotografia amarelada (que amplia a sensação de sufocamento) e com um desenvolvimento narrativo extremamente organizado, O Menino Que Descobriu O Vento é filme para toda a família, nos fazendo torcer o tempo todo para que a solução desejada por aqueles que vemos em tela, seja finalmente concretizada. Ejiofor desenvolve a trama em etapas, de forma didática, jogando com as emoções do espectador, que sentirá pena, raiva, frustração, dor, alegria e empatia pelas personagens. Paulo Freire - o maior educador da história do Brasil - já dizia: "se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda". Em um contexto político como o nosso, em que professores são atacados e recursos (já tão escassos) para a educação são questionados sob as desculpas mais estapafúrdias (como aquela que alega haver "doutrinação ideológica" em sala de aula), uma película que fala da importância do conhecimento é um sopro tão forte quando aquele que move as engenhocas construídas pelo pequeno William. É imperdível.

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