terça-feira, 5 de março de 2019

Cinema - Querido Menino (Beautiful Boy)

De Felix Van Groeningen. Com Steve Carell, Timothée Chalamet, Maura Tierney e Amy Ryan. Drama, EUA, 2019, 121 minutos.

O uso de drogas é um severo problema de saúde pública nos Estados Unidos - não por acaso a overdose é a maior causa de morte de jovens com menos de 50 anos no País. É algo que, em muitos casos, não se sabe exatamente de onde vem. Ou o que desencadeia esse quadro tão desalentador. Família disfuncional? Pais separados ou ausentes? Jovens que sofrem bullying? Não necessariamente, como nos mostra a história do jovem Nic Sheff (Timothée Chalamet), narrada no ótimo Querido Menino (Beautiful Boy). Nic é um menino da classe média como qualquer outro: amado pelos pais, tem boas notas na escola, pratica esportes, gosta de música, literatura e artes em geral. Mas se tornará usuário de drogas - inicialmente maconha, mais tarde metanfetamina -, se tornando dependente químico e, consequentemente, alterando a rotina de todos.

A sua volta, em todos os momentos, estará o devotado pai David (Steve Carell). Jornalista conceituado, vive com a segunda esposa e os dois filhos mais novos, enquanto tenta compreender o que ocorre com o filho mais velho. O lar sempre foi amoroso e David se angustiará na tentativa de identificar as suas (eventuais) falhas como pai, ao passo que tenta acolher o filho a cada nova recaída, após exaustivas passagens por clínicas de reabilitação. É uma obra comovente, dura em muitos aspectos, mas absurdamente realista em sua abordagem. Não por acaso, o diretor Felix Van Groeningen (do excelente Alabama Monroe) não busca identificar a origem do problema. Isso apenas acontece, como acontece em muitos lares e, importando mesmo para todos os que sofrem desse mal, a tentativa de amenizá-lo (na impossibilidade de solucioná-lo).


Ainda que seja baseado em fatos reais, o filme não demoniza ninguém - nem o usuário, nem os pais, nem a madrasta ou os irmãos. Seria uma muleta muito fácil (e irritantemente óbvia) a existência de um pai alcoólatra e ausente ou de uma madrasta que maltratasse Nic. Mas não. Todos estão empenhados em entregar a sua melhor versão para o jovem, com boas doses de compaixão e empatia, mesmo naqueles momentos mais desesperadores. E assistir David tentando de todas as formas "consertar" um filho que só lhe procura para pedir dinheiro em meio a severas recaídas, é algo não menos do que comovente. Sensação ampliada pelos seguidos flashbacks que mostram a simbiótica relação entre os dois, com David emanando amor por todos os seus poros. Ou mesmo nas sequências em que o pai pesquisa na internet os efeitos das drogas utilizadas pelo filho, ainda que seu olhar angustiado seja de incerteza.

Nesse sentido, Carell entrega uma interpretação não menos do que soberba - o que torna inexplicável a sua ausência na temporada de premiações. Já Chalamet tem se especializado, após Me Chame Pelo Seu Nome (2018), em papeis difíceis e de grande exigência física e emocional (e é simplesmente arrebatador assisti-lo como um zumbi catatônico em meio aos efeitos das drogas mais pesadas). Sem apelar para soluções mais fáceis, a obra ainda utiliza "graciosas" metáforas como forma de exemplificar aquilo a que estamos assistindo (sendo uma das melhores a sequência em que o pai "perde" o filho em meio as ondas do mar em uma tarde de surfe). Com trilha sonora cheia de grandes bandas - de Nirvana, passando por Neil Young e David Bowie, até chegar no Massive Attack - Querido Menino se consolida como um dos grandes filmes de 2019, abordando um assunto difícil de forma inteligente e sem ataques levianos. Vale cada minuto.

Nota: 9,0

Nenhum comentário:

Postar um comentário