quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Cinema - Green Book: O Guia (Green Book)

De: Peter Farrelly. Com Viggo Mortensen, Mahershala Ali e Linda Cardellini. Comédia dramática, EUA, 2019, 130 minutos.

A mensagem passada pelo filme Green Book: O Guia (Green Book) já deveria estar mais do que decorada: não se mede caráter pela cor da pele. Mas estamos no País que alça uma aberração política como Jair Bolsonaro à presidência - legitimando assim o discurso de ódio, a intolerância e, consequentemente, o preconceito. O mesmo vale para os Estados Unidos de Trump. Há uma onda conservadora, reacionária que faz com que as pessoas percam a vergonha de, por exemplo, entrar lá na página da apresentadora Maria Julia Coutinho, que agora está na bancada do Jornal Nacional, para dizer verdadeiras obscenidades para ela, pelo simples fato de ela ser negra. Sim, o racismo continua sendo um gravíssimo problema de nossos tempos e uma obra leve e emocionante como Green Book serve para, no mínimo, nos fazer refletir. Nos fazer lembrar de que o racismo estrutural persiste e que está bem longe de ser solucionado.

Bom, no caso do filme de Peter Farelly - que dirigiu Debi & Lóide ao lado irmão Bobby, em 1994 - estamos no ano de 1962. Na história baseada em fatos reais Viggo Mortensen é Tony Lip, sujeito meio estourado que trabalha fazendo bicos como segurança em casas noturnas. Italiano morador do Bronx, em Nova York, herdou da família gringa o conservadorismo das "famílias de bem", extremamente religiosas, intolerantes e MUITO racistas (como fica provado em uma cena envolvendo copos de água, ainda no começo do filme). Com o Copacabana - boate em que estava trabalhando - fechada por tempo indeterminado, Tony se vê sem muita saída para honrar as suas contas. Mafiosos locais lhe oferecem emprego, mas o que balança mesmo ele é uma proposta irrecusável do excêntrico pianista Don Shirley (Mahershala Ali). Só que tem um problema: o seu futuro empregador é negro.


É claro que, colocadas algumas condições, ele aceitará o emprego que lhe exigirá uma temporada de dois meses ao lado do artista - longe da esposa Dolores (Linda Cardellini) e dos filhos - em uma série de apresentações no Sul dos Estados Unidos. E não é preciso ser nenhum adivinho para supor que essa jornada transformará a vida de ambos. De personalidades distintas - Shirley é um intelectual, arrogante, de modos refinados e discretos ao passo que Tony é histriônico, um brutamontes que só pensa em comer -, a dupla saltará aos poucos dos "confrontos de ideias" iniciais para uma amizade que se fortalecerá conforme a obra avança. Ainda que a temática do racismo se sobressaia, será interessante notar como cada um deles será capaz de crescer a partir desse intercâmbio meio forçado, que juntará experiências de vida que, no fim das contas, nem são tão distintas assim. Da mesma forma será interessante notar, aos poucos, as motivações por trás do esforço de Shirley em contratar Tony.

Indicada ao Oscar, a obra é o feel good movie por excelência: nos faz rir, nos emociona, tem ótima trilha sonora e sequências absurdamente divertidas (como naquela em que Tony "ensina" Shirley a comer frango frito). Mas é um filme sobre um assunto sério e o diretor sabe abordá-lo sem carregar as tintas, nos fazendo pensar. E há Mortensen e Ali que estão fenomenais em suas caracterizações - aliás, o segundo está muito perto de conseguir uma proeza histórica: faturar a sua segunda estatueta dourada em sua segunda indicação. Se a película não é tão potente na discussão do racismo se comparada a clássicos como O Sol É Para Todos (1962) ou o recente Corra! (2018), pensar que o segregacionismo (e o título original do filme tem muito a ver com isso) era coisa de 60, 70 anos atrás, é algo que nos impacta. Ainda que a sequência de eventos vista na tela nos encha de esperanças por dias melhores.

Nota: 9,0



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