quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Cinema - No Portal da Eternidade (At Eternity's Gate)

De: Julian Schnabel. Com Willem Dafoe, Oscar Isaac, Rupert Friend, Mads Mikkelsen, Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner. Biografia / Drama, França, 2019, 111 minutos.

A história de Vincent Van Gogh não chega a ser exatamente uma novidade, já que a maioria das pessoas sabe que ele teve uma vida de extrema pobreza, pintou muitos quadros, vendeu apenas uma obra em vida e teve sérios problemas psicológicos a ponto de cortar a própria orelha. Bom, o que o diretor Julian Schnabel (do tristíssimo O Escafandro e A Borboleta) faz em No Portal da Eternidade (At Eternity's Gate) é condensar um pouco dessa história, especialmente os anos finais, imprimindo a ela um clima idílico, quase existencialista com destaque para a complexa relação do pintor com a natureza, com o mundo e, consequentemente, com as suas telas. Nesse sentido, a película se torna o veículo perfeito para que Willem Dafoe (e sua expressão permanentemente sofrida) encarne o artista com todas as suas nuances e loucuras. Aliás, ele está indicado ao Oscar pelo papel.

A trama começa com Van Gogh vendo sua arte sendo rejeitada em modestíssimas galerias. Contemporâneo e amigo de Paul Gauguin (Oscar Isaac) ele recebe uma recomendação deste: se mudar para Arles, no Sul da França, como forma de buscar inspiração para aquilo que produz. É nesse cenário bucólico, recheado por frondosas árvores, campos de trigo e de centeio, cenários pastoris, céu azul e muito sol que o artista fará sua simbiose: literalmente "mergulhado" na natureza, passará a pintar muito. Frequentemente. Foram mais de duzentas pinturas e cem aquarelas.Ainda que suas pinceladas vigorosas, que mais tarde formariam as bases do modernismo, tenham sido motivo, inicialmente, de chacota - como mostra uma desalentadora cena em que um grupo de estudantes invade o cenário em que o holandês exercita seu ofício.


Não bastasse a desconfiança a respeito de seu potencial artístico (o próprio Schnabel parece passar a impressão de Van Gogh ser um artista de menor expressão em alguns momentos), ele ainda precisa lidar com os sérios problemas psicológicos que fazem com que ele tenha alucinações, delírios e perda de memória. A chegada de Gauguin para uma visita - organizada pelo irmão Theo (Rupert Friend) - piora a situação: era com ele que o pintor mantinha um ideal de amizade que poderia ser cristalizado com a criação de uma espécie de coletivo de artistas (o que vemos no começo do filme). Só que enquanto Gauguin pintava por memorização (e com o coração), Van Gogh precisava estar diante de seu objeto de pintura. As diferenças de visão em relação a arte e até de personalidade acabarão por afastar ambos - e acarretarão a famosa cena em que uma orelha é decepada.

A espiral de decadência de um artista que jamais foi reconhecido em vida é nos apresentada de forma melancólica e desalentadora: Van Gogh implora para que Gauguin volte (e ele jamais volta). Um clérigo tenta lhe apoiar (personagem de Mads Mikkelsen em participação especial). E é desse período mais conturbado, mais alucinado e esquizofrênico obras bastante conhecidas como A Noite Estrelada. Pode não ser um filme tão fácil de ser apreciado, especialmente pela opção pelos longos planos que mostram a interação do artista com a natureza, com muitas cores (o amarelo sempre em destaque na fotografia), diálogos envolventes ("Um pouco da loucura é o melhor da arte") e muita música conduzindo as sequências absolutamente artísticas e elegíacas. Mas quem tiver paciência será recompensado por uma obra que honra o legado  de um dos maiores artistas do século passado, uma figura complexa, difícil e absurdamente talentosa.

Nota: 7,5

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